Toxoplasmose: o que é e como ocorre a infecção?

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A toxoplasmose é uma importante doença com caráter zoonótico; conheça o ciclo de transmissão e as formas eficazes de evitar a afecção
Toxoplasma gondii é o nome do protozoário responsável por causar a toxoplasmose em gatos, seres humanos e outras espécies. A infecção possui distribuição geográfica mundial e é considerada uma zoonose em virtude do seu potencial de contaminação tanto para algumas espécies de animais, como para os seres humanos (STELZER; 2019).
Presume-se que aproximadamente 500 milhões de pessoas em todo mundo possam apresentar reação sorológica positiva ao parasita, evidenciando também um possível contato com a forma infectante do protozoário (ALEGRUCCI et al; 2021).
Embora a toxoplasmose possua tratamento, há uma elevada preocupação em relação à infecção, principalmente nos seres humanos, pois a afecção pode causar danos a diversos tecidos, através da formação de cistos teciduais em musculatura cardíaca e esquelética, além de acometer pulmão, fígado, cérebro, retina etc. O quadro em gestantes também pode causar graves complicações, como abortamentos e malformações do feto.
Com isso, ainda há muitos mitos em torno do gato, hospedeiro definitivo do protozoário, e cabe ao Médico-Veterinário esclarecer as dúvidas. Veja a seguir detalhes sobre o agente Toxoplasma gondii, como detectar a presença dele em gatos, as formas de transmissão e também como prevenir a doença e orientar os tutores.
Conhecendo o agente Toxoplasma gondii
Protozoário heteroxênico e zoonótico, o Toxoplasma gondii é um parasita intracelular obrigatório pertencente ao reino Protista, filo Apicomplexa e família Sarcocystidae. É muito comum em países tropicais e de clima quente, uma vez que o ambiente favorece a evolução da forma infectante, colaborando para a disseminação da doença.
O gato é o hospedeiro definitivo, tendo papel fundamental na fase sexuada do agente, na qual acomete as células do epitélio intestinal do felino e completa, portanto, seu ciclo de vida. Já os seres humanos e outros animais, como aves e demais mamíferos, são considerados hospedeiros intermediários, com participação na fase assexuada do T. gondii, que pode ocorrer simultaneamente em diferentes tecidos.
Ciclo do agente
O toxoplasma foi descrito pela primeira vez em 1980, sendo o ciclo do protozoário uma incógnita por cerca de 60 anos (DUBEY et al; 1970).
Atualmente, sabe-se que há duas fases: assexuada e sexuada. Nos hospedeiros definitivos (felídeos), ambas ocorrem, incluindo as seguintes fases do ciclo: Taquizoítos, Bradizoítos, Merozoítos, Gametócitos e Oocistos.
A fase de Taquizoítos representa um período agudo da toxoplasmose, ou seja, de rápida proliferação. Geralmente são encontrados no vacúolo parasitóforo de diversas células, podendo estar presentes em líquidos orgânicos, macrófagos, células hepáticas, nervosas, pulmonares e musculares. Já os Bradizoítos são representados por uma fase de maior cronicidade, de lenta multiplicação. Ocorre no interior do cisto, sendo encontrado no vacúolo parasitóforo do tecido muscular cardíaco, esquelético, nervoso e retiniano.
No caso dos oocistos, é importante ressaltar que os oocistos imaturos/não esporulados são produzidos nos enterócitos dos felídeos susceptíveis e então são eliminados nas fezes. Já no ambiente ocorre o amadurecimento/esporulação, após um período médio de 48-72h de exposição. Então, os oocistos tornam-se infectantes, podendo sobreviver no ambiente por longos períodos, podendo ultrapassar 12 meses, para dar continuidade no ciclo de transmissão do agente.
No caso de hospedeiros intermediários (mamíferos e aves), a reprodução é assexuada, em que o parasita faz clones de si mesmo e se agrupa no interior dos cistos. Nesse caso, não há as fases de gametócitos e oocisto imaturo.
Toxoplasmose: como ocorre a transmissão?
Há três principais vias de transmissão da toxoplasmose (STELZER et al; 2019):
- Congênita ou placentária: pela passagem dos taquizoítos aos fetos, atingindo a corrente sanguínea, a placenta e resultando em possíveis problemas como abortamentos ou má formação fetal, hidrocefalia, estrabismo, entre outros (ALEGRUCCI et al; 2021).
- Ingestão oral de oocistos infectantes: quando as fezes dos felinos infectados ficam expostas por dias no ambiente os oocistos tornam-se infectantes. A contaminação pode ocorrer por meio do contato direto com as fezes infectadas, em situações como quando não há higienização adequada das mãos ou quando não há a limpeza diária da caixa de areia do gato, permitindo que as fezes fiquem expostas por um período prolongado. Dessa forma, a pessoa pode acabar levando as mãos acidentalmente à boca, permitindo a infecção. Ainda pode ocorrer a infecção por meio de alimentos, como vegetais e frutas ou água, que tenham sido infectados no ambiente. É importante ressaltar que a ingestão de oocistos não infectantes não é capaz de causar toxoplasmose.
- Ingestão oral de cistos contendo bradizoítos: os bradizoítos podem estar presentes em carnes cruas e mal passadas, além de outros alimentos. Essa é a forma mais frequente de transmissão de toxoplasmose para os seres humanos, ressaltando o papel fundamental dos profissionais da saúde quanto à orientação da população visando uma prevenção adequada e, consequentemente, minimizando a transmissão da doença.
Além disso, a carne crua ou mal passada pode abrigar bactérias patogênicas entéricas como espécies de Campylobacter, Escherichia coli enterotoxigênica e espécies de Salmonella (LAPPIN et al; 2019). Em 2015, o relatório do Grupo de Referência de Epidemiologia da Carga de Doenças Transmitidas por Alimentos (FERG) da OMS divulgou uma lista de parasitas transmitidos por alimentos e, entre eles, alguns transmitidos pelo consumo de carne crua ou mal passada, o que reforça a importância de consumir carnes de origens confiáveis.
Qual o papel do gato no ciclo?
Os gatos selvagens e domésticos são considerados os animais mais importantes na epidemiologia da toxoplasmose, pois são os únicos hospedeiros definitivos e, portanto, são capazes de liberar em suas fezes os oocistos que se tornarão infectantes e são ambientalmente resistentes, favorecendo a infecção.
Essa liberação de oocistos ocorre por um tempo limitado e os oocistos liberados não causam a infecção de imediato. Caso o oocisto permaneça entre 48 e 72 horas no ambiente, ocorrerá o processo de amadurecimento, tornando-o infectante, como já citado. A partir desse momento há potencial para causar a toxoplasmose felina e também para as demais espécies.
É importante ressaltar que a eliminação do oocisto não é contínua, mas, sim, delimitada a um curto período, entre uma e duas semanas no máximo, sendo que essa eliminação ocorre apenas por uma vez durante toda a vida do gato.
Além disso, o manejo inadequado de caixas de areia favorece a transmissão, uma vez que as fezes expostas por período prolongado podem carregar oocistos de T. gondii. O manejo adequado de caixas de areia e higiene no geral são essenciais para evitar a transmissão da Toxoplasmose.
Diagnóstico de toxoplasmose em gatos
O diagnóstico da toxoplasmose felina é realizado principalmente com base no teste de sorologia (IgG e IgM), em conjunto com uma detalhada anamnese, exame físico, exclusão de outras suspeitas etc. O Médico-Veterinário poderá ainda solicitar, caso julgue necessário, outros exames complementares para a avaliação do estado de saúde geral do felino.
A interpretação do exame sorológico deve ser interpretada da seguinte forma:
- IgG+ e IgM-: o indivíduo testado já teve contato com o toxoplasma, mas não está doente e não corre risco de contrair a doença, pois já houve o desenvolvimento de anticorpos de memória. Neste caso, as gestantes não são capazes de transmitir a doença por via placentária ao feto.
- IgG- e IgM+: representa a transição da fase aguda para a crônica da infecção, em que ainda haverá o desenvolvimento da produção de anticorpos IgG. Neste período o risco de eliminação de oocistos nas fezes felinas é elevado.
- IgG- e IgM-: é recomendado que as medidas preventivas sejam adotadas, já que o indivíduo testado na sorologia nunca se infectou com o toxoplasma.
Recomendações aos tutores que ajudam a prevenir a toxoplasmose
A toxoplasmose em gatos pode atingir os pets através da ingestão de água não filtrada, leite cru ou não pasteurizado, carnes cruas ou tecidos de presas contaminados. Algumas medidas preventivas podem ser recomendadas aos tutores como formas eficazes para minimizar a disseminação da doença.
Cuidados que devem ser tomados com os felinos:
- não alimentar o gato com carne crua ou parcialmente cozida, vísceras e outros que não tenham sido recomendados pelo Médico-Veterinário e com os devidos cuidados;
- não permitir livre acesso ao gato às ruas, para evitar a ingestão de alimentos inadequados e presas possivelmente contaminadas;
- cobrir caixas de areia que estejam em áreas externas quando o felino não estiver no ambiente e verificar com frequência se a caixa está devidamente limpa.
Cuidados para tutores:
- os alimentos ingeridos por seres humanos, como frutas, vegetais e verduras, devem ser cuidadosamente lavados;
- os seres humanos também não devem comer carne crua e devem lavar cuidadosamente os utensílios usados após manipulação da carne durante o preparo;
- é recomendado o uso de luvas, álcool e desinfetante na limpeza diária dos locais em que o gato defeca. Posteriormente, deve-se lavar bem as mãos com água e sabão;
- a ingestão de água não filtrada não é recomendada;
- também é indicado usar luvas ao realizar atividades de jardinagem, evitando o contato direto com o ambiente possivelmente contaminado;
- a pessoa que possui sistema imunológico deprimido ou deseja saber se já teve contato com o protozoário pode verificar com seu médico a possibilidade da solicitação de um teste sorológico.
É extremamente importante que o Médico-Veterinário oriente o tutor de que jamais deve-se abandonar o felino por receio de contaminação, pois a transmissão da doença ocorre apenas por via oral, através da ingestão de alimentos, fezes e objetos contaminados. Ou seja, a higiene é a melhor forma de prevenção e os devidos cuidados são eficazes para evitar o contágio!
Conheça outras doenças de caráter zoonótico além da toxoplasmose felina
Além da Toxoplasmose, há outras doenças com potencial zoonótico de alta relevância na clínica veterinária, incluindo:
- Dermatofitose: causada por fungos dermatófitos, como Microsporum canis, Microsporum gypseum e Trichophyton mentagrophytes.
- Giárdia: causada por protozoário flagelado e unicelular Giardia spp.
- Leptospirose: causada por bactérias espiroquetas do gênero Leptospira.
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Referências bibliográficas
ALEGRUCCI, Beatriz Suarez et al. Toxoplasmose: Papel real dos felinos. PUBVET, São Paulo, v. 15, n. 10., p. 1-6, 2021. Disponível em: https://www.pubvet.com.br/artigo/8686/toxoplasmose-papel-real-dos-felinos. Acesso em: 3 dez. 2022.
STELZER, S. et al. Toxoplasma gondii infection and toxoplasmosis in farm animals: Risk factors and economic impact. Food and Waterborne Parasitology, Canada, v. 15, p. 1-32, 2019. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S2405676618300441?via%3Dihub#bb0390. Acesso em: 4 dez. 2022.
DUBEY, J. P. et al. All about toxoplasmosis in cats: the last decade. Veterinary Parasitology, USA, v. 283, p. 1-30, 2020. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0304401720301254?via%3Dihub. Acesso em: 1 dez. 2022.
DUBEY, J. P. et al. The Toxoplasma gondii oocyst from cat feces. The Journal of experimental medicine, USA, v. 132, n. 4, p. 636-662, 1970. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/4927658/. Acesso em: 1 dez. 2022.
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