Giardíase (infecção por giárdia em cães e gatos)

Giardíase (infecção por giárdia em cães e gatos)

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A giardíase é uma das principais parasitoses do trato gastrointestinal na clínica de pequenos animais. Além de infectar gatos e cães, principalmente os filhotes, destaca-se pelo seu potencial zoonótico e pela dificuldade de erradicação. Saiba como prevenir, diagnosticar e tratar a giardíase nos seus pacientes.

Dentre as principais doenças parasitárias em âmbito global, a giardíase se destaca por ser responsável por aproximadamente 1 bilhão de casos de diarreia no mundo (FARIA e CONTI, 2021). No Brasil, a prevalência de cistos de Giárdia em cães varia entre 0,8% a 45% e em gatos é de aproximadamente 24,8% (MORAES et al, 2019).

A transmissão ocorre por via oral-fecal, a partir da ingestão de água e alimentos contaminados pelos cistos do protozoário, que são altamente resistentes no ambiente (FARIA e CONTI, 2021).

A giardíase acomete gatos e cães de todas as idades, sendo mais frequente nos filhotes e gerando maiores complicações para esse grupo. Os protozoários são espoliadores de nutrientes, interferindo no desenvolvimento saudável do filhote que ainda não possui o sistema imunológico 100% desenvolvido para impedir o surgimento de outras infecções secundárias (FARIA e CONTI, 2021).

Neste artigo, iremos abordar as principais formas de prevenção, diagnóstico e tratamento dessa zoonose.

Conhecendo o agente etiológico causador da giardíase

O agente etiológico responsável pela giardíase é o protozoário flagelado e unicelular Giardia spp., da família Hexamitidae. Esse protozoário possui duas formas conhecidas: cística e trofozoíta (MORAES et al, 2019).

Esse enteroparasita não é invasivo e a multiplicação assexuada ocorre na superfície do intestino delgado de seus hospedeiros vertebrados (MORAES et al, 2019).

Cerca de nove espécies do gênero Giardia são conhecidas, podendo infectar, além dos mamíferos, diversos tipos de hospedeiros, como pássaros, anfíbios, répteis e outros. Porém, até o momento sabe-se que apenas a espécie Giardia duodenalis é responsável por causar infecções nos seres humanos e outras diversas espécies de mamíferos, como os gatos e cães, sendo um indicativo do alto potencial zoonótico desse protozoário (SÁ et al, 2021).

O ciclo biológico da giárdia

Ele acontece da seguinte forma:

  • primeiro ocorre a ingestão dos cistos infectantes presentes no ambiente pelo hospedeiro susceptível;
  • os cistos resistem às ações do suco gástrico do hospedeiro. Então, o trofozoíto emerge do cisto ativo para se reproduzir de forma assexuada por fissão binária no intestino delgado do hospedeiro e se alimentar de detritos e bactérias;
  • em certo momento, transformam-se em pré-cistos e evoluem para cistos mononucleados. Depois, tornam-se tetranucleados;
  • os cistos e os trofozoítos são eliminados com as fezes normais ou recém-formadas do hospedeiro, exceto nas fezes liquefeitas ou disentéricas;
  • apenas os cistos sobrevivem fora do organismo do hospedeiro e são resistentes ao ambiente, infectando novos hospedeiros. Essa, portanto, é a única forma infectante da giárdia.

A giárdia em cães e gatos

A giardíase é considerada uma das principais parasitoses que infectam o trato gastrointestinal de seres humanos e outras diversas espécies de mamíferos, como gatos e cães.

A transmissão da giárdia em gatos e cães pode ocorrer pela ingestão dos cistos do protozoário que foram liberados nas fezes de indivíduos infectados ou pela ingestão de água e alimentos que estejam contaminados (FARIA e CONTI, 2021).

Em condições apropriadas, umidade e temperatura adequadas, os cistos eliminados nas fezes dos indivíduos acometidos podem permanecer infectantes durante alguns meses (MORAES et al, 2019). Isso faz com que a doença tenha um alto potencial zoonótico, uma vez que os cistos infectantes poderão sobreviver no ambiente por um período prolongado.

Predisposição racial e fatores predisponentes

Não há comprovação científica de que a raça ou outros fatores genéticos do animal estejam relacionados ao desenvolvimento da giardíase.

Geralmente, a doença é mais frequente em animais filhotes ou jovens, imunossuprimidos ou que vivem em locais com condições de higiene precárias. Porém, os ambientes com superpopulação de animais também podem ser mais propícios para a transmissão da Giárdia, uma vez que a contaminação ocorre por via oral-fecal ou a partir da ingestão de água e alimentos contaminados pelo protozoário.

Sinais clínicos em cães e gatos

Na maioria dos casos de giardíase, os animais e os seres humanos acometidos são assintomáticos. Mesmo assim, há eliminação de oocistos em suas fezes. Entretanto, nos casos com manifestações clínicas, a giárdia pode se apresentar de duas formas:

  • forma aguda: geralmente, os sinais clínicos podem surgir em aproximadamente 5 dias após a incubação (FARIA e CONTI, 2021);
  • forma crônica: os sinais clínicos se manifestam em decorrência da persistência da diarreia e também pela má absorção intestinal dos nutrientes, gerando complicações no quadro do paciente, inclusive gerando maior grau de desnutrição (SÁ et al, 2021).

Os principais sinais clínicos observados em casos de giardíase felina e canina são (FARIA e CONTI, 2021; SÁ et al, 2021):

  • enterites;
  • dores abdominais;
  • diarreia ou fezes com odor fétido. Geralmente são de aspecto mole ou aquoso, espumosas e de cor pálida. As fezes podem ter a presença de gorduras devido a esteatorreia (sinal patognomônico causado pela má absorção);
  • êmese;
  • desidratação;
  • distensão abdominal;
  • perda de peso;
  • anorexia;
  • distúrbios de sono;
  • irritabilidade;
  • flatulência
  • outros.

Os sinais clínicos da giárdia podem variar de acordo com a cronicidade da doença. Por exemplo, quadros agudos tendem a não apresentar perda de peso, desidratação e etc. Portanto, cada paciente deve ser avaliado de forma individualizada pelo Médico-Veterinário.

Além disso, diversos fatores podem gerar variações nos graus dos sinais clínicos apresentados pelo paciente, como a cepa do parasita, o tempo de duração da infecção, o manejo nutricional do pet, o grau de imunossupressão, doenças preexistentes do trato gastrointestinal, coinfecção de outros patógenos como Salmonella spp., Escherichia coli, Clostridium spp., entre outros (PRADO et al, 2021).

Diagnóstico de giárdia em cães e gatos

Além de observar se o paciente apresenta algum sinal clínico evidente, o Médico-Veterinário deve realizar uma minuciosa anamnese para entender como é o manejo ambiental e nutricional do paciente. Nesse momento, será possível coletar outras informações, como o histórico de viagens recentes para locais endêmicos e propensos à infecção de G. lamblia e outros dados relevantes.

Os sinais clínicos da giardíase são semelhantes a outros tipos de patologias, sendo necessário que o Médico-Veterinário realize o diagnóstico diferencial para identificar a melhor opção de tratamento para o paciente.

O diagnóstico pode ser feito por exame coproparasitológico pela técnica de flutuação com amostras de fezes frescas, sendo um dos exames mais realizados para o diagnóstico da Giárdia em gatos e cães. Geralmente em amostras fecais mais firmes os cistos são mais presentes, enquanto que em fezes de aspecto mais líquidas ou pastosas, geralmente os trofozoítos são mais encontrados. Como a eliminação pode ou não ocorrer todas as vezes em que o animal defecar, para uma análise mais assertiva recomenda-se a coleta de três amostras diferentes, podendo ser coletado durante três dias consecutivos ou intercalados (SÁ et al, 2021).

Caso julgue necessário, o Médico-Veterinário também poderá solicitar o PCR ou o ELISA para diagnóstico de G. lamblia (SÁ et al, 2021).

O método ELISA também é considerado bastante eficaz para o diagnóstico de giardíase, podendo identificar a doença mesmo na ausência da liberação dos cistos (FARIA e CONTI, 2021). Para um diagnóstico mais preciso em casos de coproparasitológico negativo, por exemplo, o profissional poderá associar mais de um método de diagnóstico.

Além disso, podem ser solicitados outros exames laboratoriais para avaliação do estado geral de saúde do paciente de acordo com cada caso.

Tratamento contra Giárdia

O tratamento para Giárdia consiste no conjunto entre eliminação dos sinais clínicos, controle da infecção e interrupção do ciclo da giárdia. O objetivo também inclui o controle de outros patógenos associados ao quadro de giardíase, como as bactérias oportunistas e outros agentes.

O fenbendazole tem sido eficaz na eliminação da infecção por Giardia em cães. O fenbendazole é aprovado para o tratamento de Giardia em cães na Europa, e as evidências experimentais disponíveis sugerem que é mais eficaz que o metronidazol no tratamento de Giardia em cães (Companion Animal Parasite Council, 2022). A recomendação do uso de antibióticos como o metronidazol vem sendo revista pelos profissionais, visto a ocorrência de resistência aos antimicrobianos.

De acordo com cada caso, o Médico-Veterinário pode indicar outros fármacos, além de fluidoterapia e vitaminas como tratamento suporte. Em casos de infecções concomitantes por outros agentes ou demais doenças presentes, o protocolo será ajustado conforme necessidade específica.

Formas de prevenção e recomendações aos tutores

Mesmo após o tratamento, por serem resistentes ao ambiente, os cistos podem reinfectar o animal.

Para prevenir a giardíase, o tutor pode:

  • remover as fezes do animal e lavar o ambiente, visando eliminar os cistos do local. Para isso, pode usar água com sabão e desinfetantes, como os produtos à base de amônia quaternária (cloreto de benzalcônio – deixando o produto agir no ambiente por cerca de 30 minutos);
  • lavar os comedouros e bebedouros diariamente;
  • disponibilizar água filtrada e fresca ao animal;
  • dar banhos no pet com sabão neutro e higienizar de forma adequada a região perineal;
  • após ter contato com o animal ou realizar a limpeza das instalações em que o pet vive, o ser humano deve higienizar as suas mãos para evitar uma possível infecção;
  • evitar a superpopulação de animais que dividem o mesmo ambiente.

Importância da adequação dos manejos

O acompanhamento clínico dos gatos e cães, principalmente dos filhotes que ainda não desenvolveram completamente o sistema imunológico, é primordial para prevenir, identificar, diagnosticar e tratar diversas afecções e outros problemas de saúde que podem acometer os animais.

O manejo nutricional correto é a melhor estratégia para fortalecer a função imunológica do animal, tornando-o menos suscetível a diversas infecções. Portanto, o profissional deve orientar o tutor sobre as formas corretas de alimentar os filhotes e os animais adultos, de acordo com as necessidades individuais do pet, que devem ser ajustadas a cada fase de crescimento e desenvolvimento do animal ou alguma possível particularidade e/ou comorbidade.

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Referências bibliográficas

MORAES, Lívia Fagundes et al. Estudo retrospectivo e comparativo da prevalência de Giardia sp. em cães, gatos e pequenos ruminantes em áreas endêmicas em diferentes estados brasileiros. Acta Scientiae Veterinariae, São Paulo, p. 1–10, 2019. Disponível em: https://pesquisa.bvsalud.org/portal/resource/pt/vti-19706. Acesso em: 04 ago. 2022.

FARIA, Lucas Costa; CONTI, Fabio Zacheu. Incidência da giárdia SPP. nas fezes de cães em áreas públicas de Águas Claras, São Sebastião e Asa Sul, Distrito Federal, Brasil. Dissertação apresentada ao Centro Universitário de Brasilia – CEUB, Brasília, 2021. Disponível em: https://www.publicacoesacademicas.uniceub.br/pic/article/view/8302. Acesso em: 04 ago. 2022.

SÁ, Felipe de Paula et al. Giardíase e a sua relevância na saúde pública: revisão. PUBVET, Rio de Janeiro, v. 15, n. 6, p. 1–8, 2021. Disponível em: https://www.pubvet.com.br/artigo/7836/giardiacutease-e-a-sua-relevacircncia-na-sauacutede-puacuteblica#:~:text=A%20giard%C3%ADase%20%C3%A9%20classificada%20como,abdominais%20e%20perda%20de%20peso. Acesso em: 03 ago. 2022.

GIARDIA. Capcvet, 12 Set. 2022  Disponível em:  https://capcvet.org/guidelines/giardia. Acesso em: 10 fev. 2023

PRADO, Angélica Cristina Ferreira et al. Principais enterites parasitárias em cães: revisão. UNICIENCIAS, Minas Gerais, v. 25, n. 2, p. 107–119, 2021. Disponível em: https://uniciencias.pgsskroton.com.br/article/view/9461#:~:text=As%20enterites%20parasit%C3%A1rias%20s%C3%A3o%20consideradas,Cryptosporidium%20spp. Acesso em: 03 ago. 2022.