Acompanhamento e nutrição do paciente com Cardiomiopatia Hipertrófica

Acompanhamento e nutrição do paciente com Cardiomiopatia Hipertrófica

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A prevalência da doença em algumas raças felinas é conhecida em literatura. As terapias médica e nutricional são pontos-chave para promover qualidade de vida e longevidade aos animais acometidos por esta enfermidade

As doenças cardíacas são de grande relevância na prática clínica de pequenos animais. Embora sejam condições crônicas geralmente sem cura, a terapia médica vem se aprimorando cada vez mais nos últimos anos, o que permite oferecer maior qualidade de vida e longevidade aos pacientes cardiopatas.

As cardiomiopatias são doenças que afetam o miocárdio, músculo do coração. A cardiomiopatia hipertrófica (CMH) é uma das doenças cardíacas de maior prevalência em gatos. De acordo com o Colégio Americano de Medicina Veterinária Interna (ACVIM, 2020), as cardiomiopatias estão entre as 10 causas mais frequentes de morte em pacientes felinos, sendo que acomete cerca de 15% dos gatos adultos, podendo chegar até 29% na população de animais idosos.

Fisiopatogenia da Cardiomiopatia Hipertrófica

O coração é composto por quatro câmaras (átrio direito, ventrículo direito, átrio esquerdo e ventrículo esquerdo) e duas válvulas (mitral e tricúspide) que funcionam em perfeita sincronia para distribuir sangue adequadamente para todo o organismo. No animal saudável, o sangue venoso periférico chega ao coração por meio das veias cavas cranial e caudal e desemboca no átrio direito. Em seguida, passa pela válvula tricúspide e alcança o ventrículo direito do coração, do qual é direcionado aos pulmões por meio da artéria pulmonar, no qual será oxigenado. O sangue oxigenado retorna ao coração por meio das veias pulmonares e desemboca no átrio esquerdo, que em seguida permite sua passagem para o ventrículo esquerdo, do qual será ejetado para a artéria aorta e para todos os órgãos periféricos. Qualquer alteração estrutural nas câmaras ou nas válvulas cardíacas irá comprometer o funcionamento normal deste órgão e causará repercussões hemodinâmicas importantes.

A CMH se caracteriza pela hipertrofia do ventrículo esquerdo do coração. Como consequência, há comprometimento do preenchimento diastólico e, muitas vezes, aumento atrial esquerdo secundário. A dinâmica alterada do funcionamento cardíaco compromete a ejeção de sangue para a periferia e interfere na manutenção da homeostase.

Independente da causa, a CMH frequentemente leva à insuficiência cardíaca congestiva (ICC), tromboembolismo arterial, arritmias e síncope, podendo levar o paciente a óbito.

Estágios da CMH em gatos

A classificação das cardiomiopatias em felinos (estabelecidas pelas diretrizes ACVIM, 2020) é feita da seguinte forma:

  • Estágio A: gatos predispostos à doença, mas que ainda não apresentam evidências de alterações ao ecocardiograma nem presença de sinais clínicos;
  • Estágio B: gatos com cardiomiopatia, porém sem manifestações clínicas, podendo ainda ser subdividido nos estágios:
    B1: com baixo risco de insuficiência cardíaca congestiva e tromboembolismo;
    B2: com alto risco de ICC e tromboembolismo;
    A subdivisão entre estágio B1 e B2 é feita de acordo com as mensurações ecocardiográficas do átrio esquerdo.
  • Estágio C: gatos com cardiomiopatia e que apresentam sinais clínicos;
  • Estágio D: gatos com cardiomiopatia refratária ao tratamento.

A doença atinge apenas felinos?

A CMH pode acontecer em cães também, embora seja muito mais comum nos gatos. No cão, é mais comum o desenvolvimento de cardiomiopatia dilatada, afecção na qual as fibras miocárdicas perdem a força de contração, levando a dilatação generalizada das câmaras cardíacas. A causa é idiopática, embora seja cientificamente comprovada a maior predisposição em cães de raças grandes e gigantes.

Quais raças de gatos são mais predispostas a Cardiomiopatia Hipertrófica?

Ao contrário de humanos, nos quais já foram identificadas centenas de mutações genéticas relacionadas ao desenvolvimento de cardiomiopatias, em felinos foram relatadas apenas algumas mutações, sendo duas no gene de ligação da proteína C à miosina (MyBPC3) em gatos das raças Maine Coon e Ragdoll, e mais recentemente, um estudo norte-americano identificou uma mutação no gene ALMS1 associado ao desenvolvimento da doença em um gato da raça Sphynx (MEURS et al., 2021) (Figura 1).

De fato, segundo estudos de prevalência relatados nas diretrizes do ACVIM, as raças felinas mais predispostas a desenvolverem cardiomiopatia hipertrófica são:

  • Maine Coon;
  • Ragdoll;
  • British Shorthair;
  • Persa;
  • Bengal;
  • Sphynx;
  • Norwegian Forest;
  • Birman.
Cromatograma da sequência de DNA de gatos
Figura 1: (a) Cromatograma da sequência de DNA de felino saudável e (b) cromatograma de gato Sphynx homozigoto afetado pela mutação do gene ALMS1. As setas pretas indicam a localização da mutação. Fonte: MEURS, 2021.

É importante ressaltar que felinos homozigotos para esta mutação e parentes de primeiro grau de gatos afetados apresentam risco maior de desenvolvimento desta condição.

Diagnóstico de cardiomiopatia hipertrófica

Estabelecer o diagnóstico da CMH em felinos pode ser desafiador ao clínico veterinário. O ecocardiograma realizado por um cardiologista veterinário especialista é o exame de imagem de escolha para investigação da doença. Ao exame poderá ser constatada hipertrofia e dilatação das câmaras cardíacas (Figura 2), além da presença de ICC.

Outros testes diagnósticos podem contribuir para identificar possíveis causas, além de detectar a presença de comorbidades e auxiliar no estadiamento da doença. Todos os gatos com cardiopatias devem ter sua pressão arterial sistêmica mensurada e, se possível, devem ser realizadas mensurações das concentrações sanguíneas de taurina, troponina e tiroxina.

ecocardiograma de gato
Figura 2: Imagem transversal de ecocardiograma evidenciando as quatro câmaras cardíacas e a presença de hipertrofia na parede do ventrículo esquerdo e do septo interventricular (setas) de um gato da raça Sphynx diagnosticado com cardiomiopatia hipertrófica. Fonte: MEURS, 2021.

Nutrição do felino com cardiomiopatia hipertrófica

A nutrição é um importante componente da terapia médica nas cardiopatias. Tutores de gatos com doenças cardíacas devem ser cuidadosamente questionados sobre a dieta do animal, sendo adequada a implementação de uma anamnese nutricional para obtenção do maior número possível de detalhes. Alimentos caseiros, vegetarianos ou não-convencionais apresentam maiores riscos de deficiências nutricionais que podem predispor o paciente ao desenvolvimento de certas doenças ou até mesmo agravar condições pré-existentes.

No passado, a abordagem nutricional para animais cardiopatas consistia basicamente na redução do teor de sódio na dieta. Porém, com o avanço da ciência nas últimas décadas, tem sido possível compreender cada vez mais o exato papel de cada nutriente na promoção de saúde em situações específicas.

O manejo dietético deve ser personalizado de acordo com o estágio da doença, porém de modo geral a nutrição na doença cardíaca têm como ênfase os seguintes pontos:

  • Reverter a anorexia e fornecer quantidade de calorias suficientes para evitar deficiências;
  • Obter benefícios funcionais de nutrientes específicos que auxiliem na saúde do coração;
  • Contribuir para redução da dose de fármacos empregados no manejo de cardiopatias;
  • Reduzir a progressão da doença;
  • Promover qualidade de vida ao paciente;
  • Aumentar a longevidade.

As interações entre genes e nutrientes podem desempenhar um papel na ampla variação fenotípica observada na cardiomiopatia hipertrófica. Essa área de pesquisa é relativamente nova, mas há evidências sugerindo que a dieta pode influenciar na expressão gênica da doença em indivíduos geneticamente predispostos.

Sabe-se que gatos com CMH apresentam concentrações elevadas de insulina sérica e que este aumento pode estar relacionado com o grau de atrofia ventricular. Um estudo conduzido por Hoek e colaboradores (2019) avaliou o efeito de uma dieta específica com a espessura da parede do ventrículo esquerdo em gatos diagnosticados com CMH.

O estudo foi conduzido com 44 pacientes durante o período de 6 e 12 meses, e os autores concluíram que houve redução significativa da espessura da parede ventricular nos felinos que receberam a dieta teste por 12 meses. A dieta teste foi formulada com redução do teor de carboidratos e teve como objetivo minimizar as concentrações séricas de insulina. Além disso, foi suplementada com óleo de peixe, conhecido por suas propriedades anti-inflamatórias.

Ainda que mais estudos sejam necessários para corroborar a tese de que a nutrição desempenha papel-chave no manejo clínico de pacientes cardiopatas, as evidências científicas encontradas até o momento sugerem que nutrientes específicos e a manutenção da boa condição corporal em animais enfermos exercem papel importante no tratamento coadjuvante, promovendo melhora da qualidade e da expectativa de vida destes pacientes.

Caso a anorexia esteja presente nos felinos enfermos, o suporte nutricional assistido por sondas deve ser introduzido para evitar a desnutrição calórico-proteica e o desenvolvimento de complicações que resultarão na piora da doença primária.

É possível prevenir o surgimento da doença?

A CMH é uma doença multifatorial de etiologia ainda não totalmente esclarecida pela ciência, e que, portanto, mais estudos são necessários para definir a sua prevenção. A nutrição adequada pode auxiliar na prevenção e controle da doença somente quando seu desenvolvimento está relacionado com uma deficiência nutricional específica (como, por exemplo, deficiência de taurina).

Gatos com CMH diagnosticada apresentam sobrevida de aproximadamente 2 anos (Freeman & Rush, 2012), no entanto a terapia médica adequada e o acompanhamento dos animais diagnosticados podem promover retardo da progressão da doença associado a melhor qualidade de vida e maior longevidade.

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Referências bibliográficas

FASCETTI, A.J.; DELANEY, S. Applied veterinary clinical nutrition. Wiley-Blackwell, 2012.

FREEMAN, L.M.; RUSH, J.E. Nutritional management of cardiovascular diseases. In: Applied veterinary clinical nutrition. Wiley-Blackwell, 2012.

FUENTES, V.L.; ABBOTT, J.; CHETBOUL, V. et al. ACVIM consensus statement guidelines for the classification, diagnosis, and management of cardiomyopathies in cats. American College of Veterinary Internal Medicine, 2020.

HOEK, I.V.; GEERE, H.H.; BODE, E.F.; et al. Association of diet with left ventricular wall thickness, troponin I and IGF-1 in cats with subclinical hypertrophic cardiomyopathy. Journal of Veterinary Internal Medicine, 2020.

MEURS, KATHRYN, M.; WILLIAMS, B.G.; DEPROSPERO, D. et al. A deleterious mutation in the ALMS1 gene in a naturally occurring model of hypertrophic cardiomyopathy in the Sphynx cat. Orphanet Journal of Rare Diseases, 2021. Disponível em: <https://ojrd.biomedcentral.com/track/pdf/10.1186/s13023-021-01740-5.pdf>. Acesso em 11/10/2021.