Entendendo a microbiota intestinal dos gatos e cães

Entendendo a microbiota intestinal dos gatos e cães

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O equilíbrio da microbiota intestinal traz benefícios a todo o organismo, promovendo saúde e bem-estar. Entenda mais sobre o assunto!

O ecossistema microbiano gastrointestinal é altamente complexo e apresenta um papel importante na regulação da saúde e imunidade dos animais. Essa característica é decorrente dos metabólitos microbianos, substratos fundamentais para o hospedeiro, produzidos pelo microbioma residente.

Dessa forma, os microrganismos intestinais podem beneficiar o hospedeiro em vários aspectos, tendo em vista que atuam como uma barreira defensiva contra patógenos transitórios, auxiliam na degradação de nutrientes e na captação de energia da dieta, fornecem metabólitos nutricionais para os enterócitos e desempenham um papel crítico na regulação do sistema imune do hospedeiro.

O que é a microbiota intestinal?

O termo microbiota intestinal refere-se à comunidade complexa e diversificada de microrganismos que habita o trato gastrointestinal dos animais. Este abundante ecossistema microbiano é composto por bactérias, arqueas (organismos procariontes), fungos e vírus, cada um desempenhando um papel fundamental no funcionamento do sistema digestivo e na saúde geral do hospedeiro.

A microbiota dos felinos aparenta maior diversidade bacteriana, mas menor variação intraespécie quando comparada à de cães. Suspeita-se ainda que há diferenças entre microbiomas de gatos que vivem em ambientes diferentes. Por exemplo, gatos com estilo de vida outdoor apresentam menor diversidade de microrganismos do filo Firmicutes que gatos de ambiente indoor (DESAI et.al., 2009).

Ao que se refere à microbiota de cães, os filos bacterianos Firmicutes, Bacteroidetes, Proteobacteria, Actinobacteria e Fusobacteria compõem, aproximadamente, 99% de toda microbiota intestinal.

O filo Firmicutes compreende muitos grupos bacterianos filogeneticamente distintos, sendo chamado de aglomerados de Clostridium. Acredita-se que esses grupos (p. ex., Ruminococcus spp., Faecalibacterium spp., Dorea spp.), juntamente com Bacteroidetes e Actinobacteria (Bifidobacterium spp.), sejam importantes produtores de metabólitos (p. ex., ácidos graxos de cadeia curta, indol) que exercem um impacto benéfico direto sobre a saúde do hospedeiro.

Através de suas atividades metabólicas, a microbiota intestinal é capaz de exercer vários efeitos sobre a saúde do animal, assim como elucidado na Tabela 1.

Tabela de metabólitos derivados de microrganismos no TGI.0
Tabela 1: Metabólitos derivados de microrganismos no TGI.0

Vale ressaltar que cada animal possui um pool microbiano peculiar e individual. As diferenças entre a composição de bactérias, bem como os demais microrganismos gastrintestinais explicam as respostas altamente individualizadas e, portanto, distintas, observadas em relação às abordagens terapêuticas conduzidas a fim de modular a microbiota intestinal.

A importância de manter a microbiota saudável

Um ecossistema microbiano balanceado é crítico para uma saúde ideal. A microbiota fisiológica fornece estímulos para o sistema imunológico, ajuda na defesa contra enteropatógenos invasores e confere benefícios nutricionais ao hospedeiro (Tabela 1).

A microbiota residente é importante no desenvolvimento da estrutura intestinal fisiológica. Há uma “troca de informações” constante entre as bactérias do intestino e o sistema imune do hospedeiro – troca esta que supostamente é mediada por uma combinação de metabólitos microbianos e moléculas superficiais, que ativam os receptores imunes inatos no revestimento intestinal.

A microbiota intestinal residente também é uma parte crucial do sistema composto pela barreira intestinal, que protege o hospedeiro de patógenos invasores, bem como de produtos microbianos deletérios (p. ex., endotoxinas). No cólon do cão residem quase que exclusivamente bactérias anaeróbias ou anaeróbias facultativas.

Algumas das principais fontes de nutrientes para as bactérias são carboidratos complexos, incluindo muco intestinal, amido e fibra alimentar, como pectina e inulina. A fermentação desses substratos resulta, principalmente, na produção de ácidos graxos de cadeia curta – como acetato, propionato e butirato – e outros metabólitos que são fontes de energia relevantes para o hospedeiro.

Os ácidos graxos de cadeia curta são importantes fatores de crescimento para as células epiteliais do intestino. Eles têm propriedades imunomodulatórias, podem inibir a proliferação de patógenos via modulação do pH colônico e também influenciam a motilidade intestinal.

O butirato protege o animal contra colite pela redução do dano oxidativo ao DNA e pela indução de apoptose das células com esse tipo de dano. O acetato modula a permeabilidade do intestino de forma benéfica, diminuindo com isso a translocação sistêmica de endotoxinas derivadas da microbiota intestinal.

Principais doenças relacionadas à alteração da microbiota intestinal em cães e gatos

A microbiota intestinal está diretamente relacionada à homeostase e à regulação de diversas funções do organismo de cães e gatos. O seu desequilíbrio – ou disbiose – pode estar associado a manifestações inflamatórias no próprio TGI e sistemas orgânicos extraintestinais, devido aos metabólitos resultantes de sua atividade.

Enteropatias crônicas

As enteropatias crônicas são caracterizadas por inflamação gastrointestinal persistente ou recorrente, geralmente associadas a sinais clínicos como vômito, diarreia e perda de peso. Nos cães, a forma mais comum é uma enterite linfocítica-plasmocítica, caracterizada pelo aumento especialmente de E. coli ou Pseudomonas, e diminuição de Firmicutes e Bacteroidetes na microbiota intestinal.

Dermatite atópica

A disbiose da microbiota intestinal é capaz de causar um desequilíbrio no sistema imunológico, levando à liberação de algumas citocinas, quadro que pode induzir ao aparecimento de alterações cutâneas. Logo, a dermatite atópica está associada à disbiose tanto na pele quanto no intestino (TIZARD e JONES, 2017).

Urolitíase por oxalato de cálcio

Como mencionado na Tabela 1, a microbiota intestinal é responsável pela degradação do oxalato através da oxalil-CoA descarboxilase. Um desequilíbrio desse ecossistema pode ter como consequência a diminuição da atividade enzimática, diminuindo também a metabolização de oxalato e, assim, aumentando o risco do desenvolvimento de urolitíase por oxalato de cálcio.

Entendendo a diferença entre probiótico e prebiótico

Probióticos são microrganismos vivos que, quando administrados ao animal em quantidades adequadas, são capazes de sobreviver às condições adversas do sistema digestivo e de colonizar o intestino, influenciando beneficamente o balanço microbiano intestinal, combatendo bactérias patogênicas e ajudando na modulação da resposta imunológica.

Dentre os probióticos, algumas opções são as formas vivas de:

  • Lactobacillus acidophilus;
  • Lactobacillus plantarum;
  • Enterococcus faecium;
  • Bifidobacterium bifidum;
  • Saccharomyces cerevisiae.

Já os prebióticos são compostos alimentares não modificáveis/digeríveis pelas enzimas digestivas que, por meio de sua metabolização, são capazes de manter ou estimular a atividade da microbiota intestinal, conferindo assim um efeito fisiológico que promove a saúde intestinal do hospedeiro, melhora a qualidade das fezes e ajuda na resposta do sistema imunológico.

Como exemplos de prebióticos utilizados na formulação de alimentos, podemos citar:

  • glicossacarídeos;
  • xiloligossacarídeos;
  • lactossacarídeos;
  • frutoligoassacarídeos.

Evidenciamos, portanto, que tanto o uso de probióticos quanto o uso de prebióticos desempenha um importante papel na manutenção da saúde gastrintestinal e na promoção do bem-estar geral dos gatos e dos cães.

A influência do alimento na microbiota de cães e gatos

Qualquer excesso ou restrição de nutrientes oferecidos diariamente para cães e gatos pode ocasionar disbiose. Vale lembrar que há diversos manuais ou guias nutricionais para essas espécies que contemplam as diferenças na necessidade de cada nutriente, tanto para cão quanto para gato. Os guias mais indicados para consulta são:

  • FEDIAF (The European Pet Food Industry);
  • AAFCO (The Association of American Feed Control Officials);
  • e NRC (National Research Council).

A nutrição pode auxiliar a restabelecer o equilíbrio da microbiota intestinal em diversos casos. Para isso, a utilização de fibras solúveis e insolúveis, proteínas de altíssima assimilação e ácidos graxos ômega 3 (EPA e DHA) são fundamentais para manter a funcionalidade do TGI.

Como exemplo, podemos abordar o uso de prebióticos na alimentação de cães e gatos. Essas fibras serão digeridas pelas bactérias intestinais residentes e levarão à produção de ácidos graxos de cadeia curta, que são fontes ricas de energia para os enterócitos.

O uso dessas fontes em quantidades recomendadas para a espécie promoverá, portanto, além da saúde intestinal, a manutenção do microbioma do TGI e, consequentemente, escore fecal ideal.

Desde 1968, a ROYAL CANIN® estuda detalhadamente todas as necessidades específicas de gatos e cães. Ao longo desse tempo, constatamos que a manutenção de uma vida saudável está diretamente relacionada à qualidade nutricional e, por isso, nossos alimentos são balanceados e formulados com nutrientes cuidadosamente selecionados, com a finalidade de criar um perfil nutricional que promova a manutenção do microbioma intestinal, saúde, bem-estar e longevidade para os pets.

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Referências bibliográficas

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