Torção gástrica em cães: tudo sobre a síndrome da dilatação vólvulo-gástrica (DVG)

Torção gástrica em cães: tudo sobre a síndrome da dilatação vólvulo-gástrica (DVG)

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Conheça os principais pontos-chave dessa grave enfermidade do trato gastrointestinal que acomete principalmente os cães de grande porte

O processo digestivo dos cães começa ainda na cavidade oral, onde ocorre a digestão mecânica através da mastigação e a posterior digestão química através da produção de enzimas nas demais estruturas do trato gastrointestinal, onde irão acontecer as demais etapas do processo digestivo.

Dentre as principais funções do estômago estão o armazenamento temporário de alimentos e a produção de muco/suco gástrico para que ocorra o processo digestivo ao longo de todo o trato gastrointestinal.

Esse órgão é composto por estruturas denominadas de cárdia, fundo, corpo e piloro. Possui duas curvaturas, sendo uma menor e a outra maior, e também possui as faces parietal e visceral. O tempo de esvaziamento gástrico do cão pode variar entre 72 a 240 minutos, de acordo com as características do alimento ingerido e dieta (consistência, temperatura, tamanho das partículas, entre outros), além de outros fatores, como a condição de saúde do paciente (PEREIRA e FANTE, 2019).

A síndrome da dilatação vovulo-gástrica (DVG), também conhecida como torção gástrica, é uma importante afecção que afeta o trato gastrointestinal dos cães, principalmente de raças grandes e gigantes. Também pode ocorrer em cães de raças pequenas e gatos, mas é considerada rara nesses casos (SALAS, 2021).

A enfermidade é grave, caracterizando quadro emergencial e que requer rápido diagnóstico e tratamento, visto que possui elevada taxa de mortalidade (JUNIOR et al, 2021).

Neste artigo, iremos abordar os principais fatores, os sinais clínicos e as formas de manejo do paciente acometido.

O que é a torção gástrica?

O quadro acontece, geralmente, após a ingestão de grandes quantidades de alimentos, seguido ou não de períodos prolongados de jejum, aerofagia, fermentação e alterações de motilidade. Dessa forma, ocorre o acúmulo de conteúdo na câmara gástrica, que pode ser líquido, gasoso ou sólido, e resultando na dilatação significativa do estômago. O quadro é associado a uma rotação no eixo mesentérico, ou seja, ocorre a rotação anormal do estômago em seu próprio eixo. Geralmente, a rotação ocorre em sentido horário (PEREIRA e FANTE, 2019).

Portanto, a dilatação estomacal e o mau posicionamento do órgão gera um volvo parcial que resulta na compressão sobre o duodeno e o piloro, impedindo o esvaziamento gástrico e podendo gerar a torção completa do órgão. (DIAS et al, 2020).

As bases de referências usadas para mensurar o grau de rotação são o cárdia e piloro. Geralmente, o desvio do eixo longitudinal enquadra-se entre 270 e 360 graus. Quando a rotação estiver inferior a 180 graus, indica torção gástrica e, quando superior, caracteriza-se o volvo (DIAS et al, 2020).

De forma rara, a rotação pode ocorrer no sentido anti-horário, com no máximo a 90 graus de rotação (PEREIRA e FANTE, 2019).

Predisposição racial e fatores predisponentes da torção gástrica em cães

A síndrome da dilatação vólvulo-gástrica em cães possui etiologia multifatorial (PEREIRA e FANTE, 2019). A causa subjacente da torção gástrica canina ainda não foi totalmente esclarecida, mas sabe-se que existem fatores que podem estar associados ao surgimento da patologia.

Não há predisposição relacionada ao gênero do animal, mas sabe-se que pode ocorrer predisposição hereditária, principalmente quando a relação for de primeiro grau, como no caso de irmãos ou filhos (SALAS, 2021).

Raças

Certas raças, como as de porte grande e gigante ou cães que possuam peito profundo (com maior volume interno na cavidade torácica devido às características anatômicas da raça), apresentam maior predisposição. Dentre elas, podemos citar (SALAS, 2021):

  • Pastor Alemão;
  • Dogue Alemão;
  • Poodle Gigante;
  • Labrador;
  • Akita;
  • Golden Retriever;
  • São Bernardo;
  • Doberman;
  • Chow Chow;
  • cães sem raça definida de grande porte;
  • outras.

Idade

Em relação à idade, a dilatação gástrica em cães já foi observada tanto em em animais com menos de 1 ano como em cães acima dos 14 anos de idade. Mas, conforme os cães de porte grande e gigante envelhecem, observa-se um risco mais elevado para o desenvolvimento da enfermidade (SALAS, 2021).

  • Raças grandes: risco elevado após os 3 anos de idade.
  • Raças gigantes: risco levado antes dos 3 anos de idade.

Outros fatores

Existem também outros fatores associados ao surgimento de torção gástrica, como (PEREIRA e FANTE, 2019):

  • consumo de alimento que favoreça o acúmulo de gás;
  • comedouros em posição muito elevada;
  • ingestão súbita de grande volume de alimento;
  • frouxidão dos ligamentos hepatoduodenal e hepatogástrico;
  • exercícios físicos intensos após a ingestão alimentar;
  • conformação corporal em relação à profundidade torácica;
  • questões comportamentais (animais agitados, estressados, ansiosos, nervosos, medrosos e com problemas comportamentais);
  • situações de estresse (viagem de carro, mudança de casa ou contato com locais e pessoas desconhecidas).

Sinais clínicos da torção gástrica canina

Geralmente, os sinais clínicos são inespecíficos e o início dessas manifestações é agudo, mas elas variam conforme a severidade e duração do episódio, podendo incluir (SALAS, 2021):

  • desconforto e dor à palpação abdominal;
  • inquietação;
  • estado comatoso ou depressão;
  • distensão abdominal progressiva;
  • abdômen timpânico e dilatado;
  • sialorréia;
  • vômitos;
  • postura arqueada;
  • membranas mucosas congestivas ou pálida;
  • taquicardia;
  • arritmias cardíacas;
  • pulso periférico fraco;
  • dispneia;
  • taquipnéia;
  • fraqueza;
  • tempo de preenchimento capilar (TPC) aumentado;
  • febre (geralmente em casos mais graves).

A torção gástrica causa a compressão das veias porta e cava, reduzindo o débito cardíaco e a pressão arterial do animal acometido, podendo resultar em choque hipovolêmico (PEREIRA e FANTE, 2019).

Diagnóstico

O diagnóstico é composto pelo conjunto entre anamnese, manifestações clínicas, exame físico e exame radiográfico da região do abdômen, que por sua vez é capaz de fechar o diagnóstico da torção gástrica em cães.

No exame radiológico será possível identificar uma linha de compartimentalização (com aparência mais radiopaca), e esse é um sinal característico de torção gástrica. Geralmente, ocorre o deslocamento do piloro dorsalmente à esquerda e também pode haver esplenomegalia.

A palpação abdominal pode ser de difícil percepção para o Médico-Veterinário em animais obesos, muito musculosos ou de raças muito grandes. Porém, mesmo com a realização bem-sucedida do exame físico, a realização do exame radiológico se faz essencial para o diagnóstico definitivo.

O exame radiográfico deve ser realizado sempre com mais de uma projeção, nesse caso dando preferência para as posições látero-lateral e ventrodorsal (PEREIRA e FANTE, 2019).

O Médico-Veterinário também pode solicitar exames laboratoriais, por exemplo bioquímico, hemograma, parâmetros de coagulação e outros, dependendo de cada caso. Porém, eles não possuem finalidade diagnóstica para os casos de torção gástrica e apenas irão trazer outras informações sobre o estado geral de saúde do pet. Também podem auxiliar a avaliação pré-cirúrgica (PEREIRA e FANTE, 2019).

Tratamento de torção gástrica em cães

Inicialmente é necessário estabilizar o paciente contra o choque resultante da torção gástrica. A primeira medida terapêutica emergencial é a descompressão gástrica, que pode ser realizada por meio da gastrocentese ou da sondagem orogástrica, visando a eliminação dos gases de forma gradual (PEREIRA e FANTE, 2019).

Para a estabilização do paciente, após a avaliação individual do caso realizada pelo profissional durante o atendimento, o protocolo também poderá incluir (PEREIRA e FANTE, 2019):

  • fluidoterapia: com isotônicos e solução salina hipertônica a 7% intravenoso para aumentar o volume circulante;
  • corticosteróides: visando estabilizar as membranas lisossômicas e a endotoxemia;
  • antibióticos de amplo espectro: amoxicilina com clavulanato de potássio ou associação de metronidazol com cefalexina ou enrofloxacino, caso haja necessidade e de acordo com a avaliação do Médico-Veterinário;
  • lidocaína: pode ser usada em casos de arritmias devido à taquicardia ventricular.

Após a estabilização do paciente, o tratamento cirúrgico geralmente é recomendado pelo Médico-Veterinário para tratar as complicações da afecção. Durante o procedimento é realizada a inspeção de órgãos como o baço e parede gástrica para possível necessidade de ressecção de prováveis tecidos necróticos e danificados, a correção do posicionamento estomacal e, para evitar recidivas, a gastropexia é indicada para a fixação do estômago na parede abdominal (PEREIRA e FANTE, 2019).

Formas de prevenção e recomendações aos tutores

As principais medidas preventivas incluem:

  • evitar exercícios físicos intensos após a alimentação para prevenir a aerofagia;
  • evitar situações de estresse, principalmente durante ou após a ingestão de alimentos;
  • adequação do posicionamento de comedouro e bebedouro, seguindo as recomendações do Médico-Veterinário para cada animal (devendo ser adaptados não somente de acordo com o tamanho do cão, mas seguindo as demais condições de saúde do indivíduo);
  • manejo nutricional: o tutor não deve fornecer ao animal nenhum alimento que não tenha sido recomendado pelo Médico-Veterinário. O alimento correto deve ser fracionado em porções recomendadas de forma adequada para cada animal.

Além disso, o animal acometido não deve ser usado para fins reprodutivos, pois os filhotes podem ser predispostos.

Atenção à alimentação

A nutrição é relatada como um dos principais fatores predisponentes ao desenvolvimento da torção gástrica em cães, devido a (SALAS, 2021):

  • ingestão rápida e de grande volume de alimentos;
  • fornecimento de alimento apenas 1 vez ao dia ao pet;
  • posição/elevação do comedouro;
  • ingestão de alimentos secos com alto teor de gorduras e óleos.

Portanto, o manejo alimentar correto é primordial para prevenir o surgimento da síndrome e deve ser ajustado de acordo com as necessidades de cada paciente, como forma de prevenção. Nos casos de animais acometidos, o manejo alimentar deve ser corrigido após o tratamento.

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Referências bibliográficas

DIAS, Tiago Trindade et al. Abordagem cirúrgica da síndrome da dilatação volvo gástrica em um cão: relato de caso. Pubvet, v. 14, n. 10, p. 1-5, 2020. Disponível em: https://www.pubvet.com.br/artigo/7013/abordagem-ciruacutergica-da-siacutendrome-da-dilataccedilatildeo-volvo-gaacutestrica-em-um-catildeo-relato-de-caso#:~:text=to%20WhatsApp%20WhatsApp-,Abordagem%20cir%C3%BArgica%20da%20s%C3%ADndrome%20da%20dilata%C3%A7%C3%A3o%20volvo,um%20c%C3%A3o%3A%20Relato%20de%20caso&text=A%20dilata%C3%A7%C3%A3o%20v%C3%B3lvulo%20g%C3%A1strica%20se,est%C3%B4mago%20sobre%20seu%20eixo%20mesent%C3%A9rico. Acesso em: 02 set. 2022.

PEREIRA, Mirele; FANTE, Thamiris Pechutti. Síndrome da dilatação vólvulo-gástrica em cães – revisão de literatura. FAEF, Revista Cientifica de Medicina Veterinária, n. 33, p. 1-15, 2019. Disponível em: http://faef.revista.inf.br/imagens_arquivos/arquivos_destaque/M1ePpPQeoi585p3_2019-10-21-9-22-10.pdf. Acesso em: 02 set. 2022.

JUNIOR, Edson Placido et al. Dilatação e vólvulo gástrico em cães – revisão de literatura. SEVEPE, p. 1-5, 2021. Disponível em: https://www.fgp.edu.br/wp-content/uploads/2021/12/ARTIGO-1a-SEVEPE-2021-DILATACAO-E-VOLVULO-GASTRICO-EM-CAES.pdf. Acesso em: 04 set. 2022.

SALAS, Carolina da Costa. Síndrome de dilatação/torção gástrica em cães: descrição de 5 casos clínicos. 2021, p. 1-57. Dissertação – Mestrado em Medicina Veterinária – Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologia, Lisboa, 2021. Disponível em: https://recil.ensinolusofona.pt/handle/10437/12786. Acesso em: 04 set. 2022.