O papel da microbiota na obesidade: o que há de novo?

O papel da microbiota na obesidade: o que há de novo?

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A composição da microbiota intestinal pode ser afetada diretamente em pets obesos. Veja neste artigo o que a ciência sabe até o momento sobre este tema

A microbiota é definida como o conjunto de todos os microorganismos vivos que habitam o trato gastrointestinal. Por décadas, tem sido estudada e compreendida pela ciência como um ponto-chave na saúde de seres humanos e de animais. A simbiose da microbiota com o hospedeiro é essencial para a saúde do indivíduo, uma vez que atua de forma local na proteção e nutrição do trato gastrointestinal e também sistêmica, por meio de sua íntima relação com o sistema imunológico.

Os microrganismos presentes no intestino produzem substratos fundamentais para o hospedeiro. Os ácidos graxos de cadeia curta (AGCC), por exemplo, são produtos finais da fermentação de fibras e são utilizados pelo hospedeiro como fonte de energia. Estudos em medicina humana demonstram que a disbiose da microbiota intestinal está relacionada com o declínio do sistema imunológico.

Em geral, a filogenia microbiana fecal do intestino canino e felino é semelhante à do intestino humano, com algumas particularidades. Em circunstâncias normais, o número de bactérias intestinais ultrapassa o número de células de um indivíduo. Em cães saudáveis, há cerca de 102 a 109 unidades formadoras de colônia (UFC) no intestino delgado e de 108 a 1011 UFC no intestino grosso. A microbiota residente compreende uma complexa interação de microorganismos no ambiente intestinal no qual está inserida. Os filos mais abundantes em cães e gatos saudáveis são:

  • Firmicutes
  • Bacteroidetes
  • Fusobacteria
  • Proteobacteria
  • Actinobacteria

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A microbiota e a obesidade

A obesidade é um distúrbio metabólico muito frequente em gatos e cães. Pets são considerados obesos quando estão 30% ou mais acima do peso ideal, o que equivale a um escore de condição corporal (ECC) de 8 ou 9 na escala de 1 a 9 pontos. A obesidade é uma doença que diminui a qualidade e a expectativa de vida em seres humanos e em animais. Ela deve ser tratada para que o indivíduo possa ter saúde e expressar seu comportamento natural.

Apesar dos mecanismos específicos ainda não estarem totalmente esclarecidos, a ciência traz forte embasamento de que a microbiota fecal de indivíduos com obesidade é diferente daquela de indivíduos magros e de indivíduos ex-obesos que foram submetidos ao programa de perda de peso.

Mecanismos propostos incluem a produção de AGCC e outras moléculas bioativas que regulam o desenvolvimento de alguns fatores neuroendócrinos que predispõem à obesidade e que possui papel importante na inflamação, condição que pode exacerbar e gerar complicações relacionadas ao ganho de peso. Alguns estudos conduzidos em cães concluíram que a quantidade total de AGCC era maior em indivíduos obesos e menor em indivíduos saudáveis. Este seria um possível fator desencadeante da obesidade devido à retenção e acúmulo de energia produzida pela microbiota intestinal.

A ciência também mostra que a microbiota fecal de indivíduos obesos pode induzir obesidade em animais modelos. Estudos demonstraram que a colonização de camundongos saudáveis com a microbiota de humanos obesos levou a um aumento significativo de peso quando comparado a camundongos que receberam microbiota fecal de animais magros, sugerindo que a microbiota fecal afeta a fisiologia e o metabolismo do hospedeiro.

Evidências científicas

Embora ainda sejam necessários novos estudos sobre o microbioma dos animais de estimação, ensaios conduzidos nos últimos anos trazem oportunidades para melhor compreensão dos complexos mecanismos de interação existentes na microbiota intestinal.

Em humanos e animais obesos, uma maior abundância do filo Firmicutes e menor abundância de Bacteroidetes foi relatada em literatura. A relação Firmicutes/Bacteroidetes é comumente usada como um marcador de disbiose. A relação é maior em indivíduos obesos e menor em indivíduos que perderam peso. Por outro lado, um estudo conduzido por Park et al. (2015) demonstrou menor abundância de Firmicutes e Fusobacteria e maior prevalência de Proteobacteria nos animais obesos.

Além da relação Firmicutes/Bacteroidetes, um estudo também mostrou que as bactérias do gênero Actinobacteria e Roseburia eram os mais prevalentes em cães obesos e que microorganismos da ordem Clostridiales aumentaram significativamente nos cães que eram alimentados ad libitum.

Chun e colaboradores (2020) avaliaram a composição da microbiota em cães da raça Beagle de acordo com o ECC dos animais. O resultado mostrou que em cães com sobrepeso, o microorganismo Fusobacteria estava presente em maior quantidade. Estudos semelhantes conduzidos em ratos mostraram que em indivíduos obesos o filo Firmicutes era mais abundante. Já em humanos observou-se que os Bacteroides estavam presentes em maior quantidade nos indivíduos obesos e em menor quantidade nas pessoas magras.

Cães obesos parecem apresentar menor diversidade de microbiota intestinal do que indivíduos magros. Um estudo realizado com cães mostrou diferença significativa em populações de microbiotas entre intestinos de cães obesos e cães com peso ideal.

Além da complexidade de fatores envolvidos na população da microbiota intestinal, as limitações e a ausência de padronização nos estudos existentes em literatura devem ser consideradas para auxiliar na interpretação de diferentes resultados. No entanto, os estudos existentes em literatura trazem importantes evidências da íntima relação entre a obesidade e a microbiota.

O papel da nutrição na microbiota

O tipo de dieta pode influenciar na composição da microbiota. Uma pesquisa realizada por Sanchez et al. (2020) com 20 cães que foram submetidos ao programa de perda de peso com dieta rica em fibra e proteína revelou mudanças significativas na população da microbiota intestinal destes animais. Após a perda de peso, observou-se aumento da diversidade e da homogeneidade dos microorganismos, com declínio da prevalência do filo Firmicutes e aumento da população de Bacteroidetes e Fusobacteria.

Estudos futuros devem determinar como a composição da dieta, uso de antibióticos e outras terapias medicamentosas, raça, estilo de vida e presença de alguma patologia afetam e/ou são afetados pelo microbioma intestinal. Investigar novas abordagens para prevenir e tratar a obesidade em pequenos animais é um assunto de interesse crucial em medicina veterinária. Tais descobertas podem ser úteis para o desenvolvimento de estratégias nutricionais que atuem contra espécies relevantes ligadas a alterações no peso corporal ou na falha da homeostase da glicose em indivíduos obesos.

A nutrição adequada contribui para restabelecer o equilíbrio da microbiota intestinal de gatos e cães. A ROYAL CANIN® oferece alimentos de alta qualidade nutricional formulados com ingredientes de altíssima digestibilidade e nutrientes que favorecem a regulação do intestino e promovem saúde, como proteínas de altíssima digestibilidade, mix de fibras solúveis, insolúveis, fermentáveis e não-fermentáveis e prebióticos que interagem diretamente com a microbiota, como:

FOS (fruto-oligossacarídeos): carboidratos não digeríveis de origem vegetal que sofrem fermentação em nível ceco-cólico e pertencem à família das fibras alimentares. Fazem com que as células do intestino grosso sejam nutridas diretamente e possuem um efeito probiótico, pois modificam a microbiota, favorecendo o povoamento por microorganismos benéficos;

MOS (mananoligossacarídeos): fibras que contribuem para o equilíbrio da população bacteriana do intestino. Possuem ação preventiva distinta, limitando o desenvolvimento de bactérias patogênicas (impedindo-as de se aderir à mucosa intestinal) e também melhorando diretamente a eficiência das defesas imunes do organismo, o que confere melhor combate aos agentes patogênicos.

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