Vivendo com fadiga por compaixão

Vivendo com fadiga por compaixão

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Artigo extraído da Revista Veterinay Focus – Special Practice Management, edição especial COVID-19 – maio 2020

Pets saudáveis necessitam de médicos-veterinários saudáveis; no entanto, as profissões ligadas ao “cuidado” podem afetar enormemente a saúde daqueles que a exercem. Neste artigo, as autoras compartilham suas próprias experiências associadas à fadiga por compaixão e fornecem algumas dicas para que os médicos-veterinários possam se cuidar também.

 

Dana Novara

DVM (médica-veterinária)

Sobre a autora

Banfield Pet Hospital, Vancouver, WA, Estados Unidos

Depois de se formar na University of Minnesota (Universidade de Minnesota) em 2008, a Dra. Novara se dedicou à clínica de pequenos animais antes de passar a fazer parte do corpo diretivo do hospital Banfield, onde atualmente ela é vice-presidente de Qualidade Veterinária na região sudoeste dos Estados Unidos. A Dra. Novara também é membro ativo da American Veterinary Medical Association (AVMA, Associação Norte-americana de Médicos-Veterinários) e da Canadian Veterinary Medical Association (CVMA, Associação Canadense de Médicos-Veterinários), bem como membro do grupo de oradores da Women Veterinary Leadership Development Initiative (WVLDI, Iniciativa de Desenvolvimento de Liderança Veterinária para Mulheres).

 

Kimberly-Ann Therrien

DVM (médica-veterinária)

Sobre a autora

Banfield Pet Hospital, Vancouver, WA, Estados Unidos

Graduada pela University of Montreal (Universidade de Montreal), a Dra. Therrien ingressou no Hospital Banfield em 2006 como médica-veterinária associada, onde ocupou vários cargos; atualmente, ela é vice-presidente de Qualidade Veterinária na região meio-oeste dos Estados Unidos. A Dra. Therrien é membro ativo da AVMA de Kentucky e da Flórida, assim como membro do conselho da Fundação Banfield. Atualmente, ela também é presidente da Women Veterinary Leadership Development Initiative (WVLDI, Iniciativa de Desenvolvimento de Liderança Veterinária para Mulheres).

 

CATEGORIA

Gestão de Clínicas

PALAVRAS-CHAVES

Ansiedade; burnout (esgotamento); carreira; prevenção; suicídio; COVID-19

 

PONTOS-CHAVES

  • A compaixão faz parte do nosso trabalho; portanto, não conseguimos “curar” a fadiga por compaixão, mas podemos aprender a lidar com ela e a controlá-la.
  • Você não está sozinho: estudos conduzidos nos Estados Unidos indicam que 1 em cada 3 médicos-veterinários sofre de ansiedade e 1 em cada 6 já pensou em suicídio.
  • Elabore um plano sustentável para si mesmo que inclua como cuidar de seu corpo, mente, carreira, relações sociais e finanças.
  • Quando começar a se sentir sobrecarregado, use as ferramentas disponíveis atualmente que podem ajudá-lo(a) a enfrentar a situação.

 

Introdução

Figura 1. Os médicos-veterinários enfrentam muitos dilemas éticos e situações difíceis em seu dia a dia; por exemplo, tratar um pet com alguma doença terminal ou fazer a eutanásia de um paciente de longa data, ao mesmo tempo em que se consola um tutor angustiado, pode ser emocionalmente desgastante. © Shutterstock

Como médicos-veterinários, nem sempre nos damos conta que – em função da complexidade de nosso trabalho – corremos um alto risco de sofrer fadiga por compaixão.1 O misto constante de emoções e sentimentos gerados, por exemplo, pela eutanásia de um paciente de longa data, seguida pela celebração da chegada de um novo filhote na família e pelo tratamento de um caso de crueldade com animais ou de um problema clínico complexo, cria altos e baixos emocionais, com variações muito acentuadas ao longo do dia (Figura 1). Em um estudo, constatou-se que 57% dos médicos-veterinários enfrentam semanalmente um ou dois dilemas éticos durante o exercício de sua profissão (1). Em outro estudo, estimou-se que 40% dos médicos-veterinários sofram de depressão ou estejam à beira de um quadro depressivo (2). Por conta disso, existem pesquisas contínuas sobre as causas do burnout (esgotamento físico e mental) e da fadiga por compaixão em medicina veterinária, bem como a respeito da maior probabilidade de problemas de saúde mental em médicos-veterinários do que a média da população (1).

Em um estudo conduzido pelos Centers for Disease Control and Prevention2 (CDC, Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos), observou-se que aproximadamente 1 em cada 3 médicos-veterinários sofre de ansiedade e 1 em cada 6 já pensou em suicídio, com uma taxa de mortalidade por suicídio pelo menos 3 vezes maior que na população em geral (Figura 2) (2). Essas descobertas são surpreendentes e indicam que provavelmente um colega de profissão ou até mesmo você esteja lutando contra isso e/ou sofrendo com esse tipo de problema. Embora essas estatísticas apoiem o fato de que as preocupações relativas à saúde mental são sérias e comuns em nossa profissão, a maioria dos médicos-veterinários acredita que serão estigmatizados e que sua carreira será prejudicada se buscarem por ajuda (Figura 3) (1).

Figura 2. A fadiga por compaixão pode contribuir para a grande pressão sofrida pelos médicos-veterinários, além de ser um fator que influencia algumas das estatísticas mais impactantes da profissão. © Sandrine Fontègne

Com este artigo, esperamos ajudar a esclarecer essa questão, compartilhando nossas histórias, nossos aprendizados e algumas ferramentas úteis para derrubar as barreiras que nos impedem de buscar ajuda. Sabemos o que é lutar contra isso e não teríamos conseguido sair dessa sem o apoio de outras pessoas. Ao compartilhar nossas experiências aprendidas, esperamos ajudar outros veterinários a permanecerem na área e a desfrutarem de uma profissão com a qual muitos de nós sonhamos ingressar desde a nossa juventude.

O primeiro passo consiste em definir e reconhecer o problema. Conforme definição feita pelo Dr. Charles Figley, Professor de Saúde Mental da Tulane University (Universidade de Tulane, Louisiana), a fadiga por compaixão é um “estado extremo de tensão e preocupação com o sofrimento daqueles que precisam de ajuda, a ponto de levar a um estresse traumático secundário no cuidador.” A Dra. Elizabeth Strand, Diretora de Serviço Social Veterinário da University of Tennessee (Universidade do Tennessee) a definiu de outra maneira: “trata-se do resultado de um cuidado muito excessivo e um trabalho muito árduo… sem reconhecer ou atender às suas próprias necessidades.”

Fadiga por compaixão

A fadiga por compaixão pode se manifestar de várias maneiras. Esgotamento (burnout) ou desapego do trabalho e de outros relacionamentos importantes, juntamente com distúrbios do sono, aumento do consumo de bebidas alcoólicas, tendência à reflexão (abstração3) ou “ruminação” dos pensamentos, depressão e queixas psicossomáticas podem, sem exceção, ser alguns indicadores da fadiga por compaixão (Figura 4). Algum desses sinais lhe soa familiar? É provável que você apresente pelo menos um desses indicadores. Temos vários procedimentos para ajudar a lidar com esses sinais e os apresentaremos neste artigo.

Figura 3. Os médicos-veterinários são mais propensos à depressão, mas muitos temem ser estigmatizados ao falar de problemas de saúde mental e, geralmente, acreditam que sua carreira possa ser prejudicada se buscarem ajuda. © Sandrine Fontègne

Figura 4. A fadiga por compaixão pode se manifestar de várias maneiras, incluindo esgotamento (burnout), distúrbios do sono, aumento do consumo de bebidas alcoólicas, tendência à reflexão (abstração), depressão e queixas psicossomáticas. © Sandrine Fontègne

Além de cuidar de si mesmo, é igualmente importante que você inicie uma conversa com seus colegas de trabalho assim que identificar algum sinal de fadiga neles. Talvez eles ainda não tenham as ferramentas necessárias para lidar com essa situação e devemos nos ajudar. Como uma comunidade veterinária, precisamos ser capazes de reconhecer melhor esse distúrbio tão importante, remover o estigma associado a ele e procurar ajuda – isso pode literalmente salvar uma vida. Quanto mais encararmos essas conversas como algo normal e participarmos delas, mais saudável será a nossa profissão.


Também é importante reconhecer que o risco de fadiga por compaixão não é algo que conseguimos remover ou eliminar por completo de nossas vidas, pois está estreitamente ligado ao nosso trabalho. Como médicos-veterinários, buscamos o tratamento e a cura de enfermidades, mas não somos capazes de curar a fadiga por compaixão; contudo, podemos controlá-la. Portanto, precisamos aprender a desempenhar o nosso trabalho e, ao mesmo tempo, cuidar de nós mesmos. Isso requer planejamento e prática.

Reconhecendo o estresse emocional

Após estabelecer uma clara definição desse distúrbio, começamos a perceber quão relevantes são as estatísticas fornecidas no início deste artigo para a nossa profissão. Então, como podemos reconhecer o estresse emocional em nós mesmos e nos outros?

 

A história de Dana:

Eu já tinha dois anos de formada e estava trabalhando como médica-veterinária responsável em uma movimentada clínica de pequenos animais, liderando outros quatro médicos-veterinários. Como líder, sentia que era minha responsabilidade não só cuidar bem dos meus pacientes e clientes, mas também da minha equipe. O que eu não me dei conta foi que estava tentando proteger minha equipe de emoções negativas e assumindo todas elas para mim mesma.

Com frequência, meus dias eram sobrecarregados com várias indicações de eutanásia e constantemente ouvia minha equipe dizer coisas como: “Coloque isso na agenda da Novara, porque ela não liga.” Com o passar do tempo, minha equipe começou a me chamar de “Dra. Morte”. Eu dizia a mim mesma que isso era um elogio da minha equipe pelo fato de conseguir lidar com essas situações no lugar deles e que talvez as eutanásias não me afetassem da mesma maneira que os afetavam. Infelizmente, aprendi da forma mais difícil que não estava sendo honesta comigo mesma. Um dia, eu tinha cinco eutanásias agendadas. A última do dia era a de um paciente meu de longa data a quem eu muito estimava. Isso não só foi difícil e doloroso para mim, mas também me manteve até mais tarde no trabalho e me impediu de chegar à minha casa para um compromisso com amigos. Saí da sala do consultório e disse a mim mesma: “não deixe que eles a vejam chorar.”

Eu estava tão chateada no caminho de volta para casa que quase perdi a direção e sai da estrada; liguei para o meu esposo, gritei com ele e ainda me ouvi lhe dizendo: “Gostaria de ter saído da estrada e acabado com a minha vida”. Até hoje, eu não acredito que realmente queria dizer isso, mas não deveria ter chegado ao fundo do poço antes de parar para ouvir a mim mesma. Com o amor e o apoio do meu marido, pude perceber que minha mente estava tentando me dizer que eu não estava bem e que as coisas precisavam mudar. Juntos, elaboramos um plano para conversar com a minha equipe e estabelecer limites no trabalho. 

A fadiga por compaixão pode se manifestar de maneiras muito distintas, dependendo da pessoa e da situação, conforme relatado na história de Kimberly:

 

A história de Kimberly:

Como uma perfeccionista do tipo “A” (alguém que é muito perfeccionista, altamente motivado e autocrítico) que trabalhou em tempo integral na faculdade de veterinária e, em seguida, conseguiu o emprego dos sonhos em uma clínica particular bastante movimentada, nunca conheci outra coisa além de ter longas jornadas de trabalho e constantemente me desafiava a aprender e a fazer mais. Com o passar do tempo, o trabalho se tornou tudo para mim. Quando não estava na clínica, eu ficava de apoio em outro centro veterinário, para que outros pudessem tirar férias ou para cobrir faltas por doença. Cheguei a ponto de não sentir mais felicidade ou alegria em minha vida, porque o trabalho consumia cada minuto dos meus dias. 

Estava claro que eu não tinha consciência nenhuma da situação, até que um dia meu esposo me ajudou a ver o desequilíbrio que havia em torno de minha vida. Quanto mais trabalhava, mais eu precisava trabalhar para provar a mim mesma que eu era “boa o suficiente”, mas à custa da minha própria saúde física e mental, assim como de meus relacionamentos. Eu me dei conta de que, internamente, eu duvidava de mim mesma e, na verdade, sofria de insegurança, o que muitas vezes é conhecido como “síndrome do impostor”. Isso rapidamente estava se transformando em fadiga por compaixão e se manifestando sob a forma de esgotamento. Se continuasse a fazer o que estava fazendo, estava claro para mim que eu não sobreviveria nessa profissão.

Por isso, tomei decisões para voltar a encontrar o equilíbrio em minha vida e defini claramente os gatilhos que poderiam me fazer retomar os velhos hábitos. Fui muito clara com meus objetivos e, até hoje, continuo fazendo uma autoavaliação para garantir que estou me sentindo equilibrada. Agora eu conheço os sinais de estresse emocional e falo abertamente sobre eles com as pessoas ao meu redor, para que elas fiquem atentas a esses sinais e possam me ajudar caso sejam detectados.

Criando um plano de autoajuda

Para ajudar a prevenir o estresse emocional, considere a elaboração de um plano de cuidados. O objetivo desse plano é se preparar para adquirir maior resiliência em circunstâncias difíceis. Um bom plano de cuidados permitirá nos libertar de emoções bloqueadas que carregamos conosco ao longo do dia. Esse plano deve englobar múltiplas facetas, ser totalmente flexível a constantes mudanças e evoluir como parte de nossa vida profissional.

Com isso em mente, podemos começar identificando os cinco principais elementos que exercem uma forte influência sobre a saúde e o bem-estar geral: um corpo sadio, uma mente sã, uma vida profissional saudável, relações sociais salutares e estabilidade financeira. Devemos subdividir cada uma dessas categorias, dedicar um tempo para refletir sobre a importância de cada uma delas e, finalmente, desenvolver um plano de cuidados que possa nos ajudar a lidar com a fadiga por compaixão (Figura 5).

Figura 5. A elaboração de um plano de cuidados que aborde os cinco principais elementos para a promoção de saúde e bem-estar pode ajudar a desenvolver uma maior resiliência e a aumentar a capacidade de adaptação em situações difíceis. © Sandrine Fontègne

Ter um “Corpo Sadio” é muito mais do que fazer exercícios. Também implica dormir o suficiente (tanto em termos de qualidade como de quantidade) e desfrutar de hábitos nutricionais saudáveis, bem como ter acesso a cuidados médicos preventivos e terapêuticos. Isso está estreitamente relacionado com uma “Mente Sã” – ou seja, é preciso ter consciência e aceitar que os sentimentos constituem uma peça-chave na gestão de saúde. Para o cuidado com o corpo, é importante a criação de rotinas de atividade física, alimentação e sono, mas como criar rotinas para sua mente? Aqui é onde entra o estado de consciência plena (conhecido como mindfulness em inglês). Do ponto de vista conceitual, é como ensinar a si mesmo a governar seus próprios pensamentos; em outras palavras, consiste em treinar seu cérebro a prestar atenção no presente, em sua mente, corpo e ambiente, a cada momento, em vez do que a maioria de nós costuma fazer, que é divagar mentalmente e nos concentrar em nossas preocupações, em mensagens negativas ou críticas, no “e se” e em erros do passado. Tal como o exercício físico, o treinamento mental para chegar ao estado de consciência plena requer prática.

Quando se trata de “Vida Profissional Saudável” ou bem-estar no trabalho, temos o privilégio de pertencer a uma profissão motivada principalmente por paixão e propósito pelo que fazemos — o que, na maioria dos casos, significa que nosso trabalho é importante para nós. A natureza sustentável de um trabalho é tão importante quanto a sua execução; portanto, devemos dedicar um tempo para planejar como queremos que seja a nossa carreira profissional e o que mais importa para nós no trabalho.

É igualmente importante manter relacionamentos com pessoas fora do ambiente de trabalho — relacionamentos que proporcionem apoio, compaixão e engajamento comunitário. Quem é sua família, tribo ou grupo? É imperativo construir e manter “Relações Sociais Salutares”, pois o nosso trabalho movido por um propósito não pode subsistir sem apoio. Estar conectado com outras pessoas por meio de redes sociais, projetos voluntários ou hobbies fora do trabalho pode ajudá-lo(a) a direcionar seus pensamentos para algo positivo e a criar relacionamentos com outros indivíduos capazes de apoiá-lo(a) em momentos difíceis.

O último pilar no plano de cuidados envolve a “Estabilidade Financeira”. As obrigações financeiras destinadas à família, moradia e assistência médica e, em muitos casos, as enormes quantias de débitos estudantis, pesam sobre nós todos os dias. O primeiro passo para o bem-estar financeiro é saber onde você está, para que seja possível a elaboração de um plano com base em seus objetivos. Se as metas forem realistas e se aderirmos ao plano, é muito mais provável que alcancemos os objetivos financeiros específicos; além disso, isso nos ajudará a ter uma base estável para continuar na direção certa. Você deve estudar honestamente o seu ponto de partida atual para formular o plano de bem-estar financeiro a longo prazo mais adequado. Para ter um bom começo, pode ser útil contar com a orientação e o apoio de um consultor financeiro.

Aplicando o acrônimo LAST na profissão veterinária

Figura 6. Em alguns momentos de necessidade, pode-se lançar mão de várias ferramentas para ajudar no enfrentamento da situação; o acrônimo LAST (do inglês Listen, Accept, Seek & Test, que significam Escutar, Aceitar, Buscar e Testar, respectivamente) pode ser muito útil em tais casos. © Shutterstock

O plano de cuidados pode ser uma ótima ferramenta a longo prazo para manter a saúde e o bem-estar. No entanto, como estamos expostos à fadiga por compaixão em nosso dia a dia no trabalho, também é importante dispor de ferramentas e recursos que nos ajudem em momentos de necessidade (Figura 6). Uma dessas ferramentas, desenvolvida internamente pelo hospital Banfield, emprega o acrônimo LAST (do inglês Listen, Accept, Seek & Test, que significam Escutar, Aceitar, Buscar e Testar, respectivamente). Para recordar esse acrônimo, você pode pensar na seguinte frase: “Se eu quero durar (last em inglês) nessa profissão, preciso usar a ferramenta LAST”. As etapas descritas adiante podem ajudar a desbloquear suas emoções no momento em que elas ocorrem.

Ao sair da sala de consulta após atender um caso emocionalmente carregado, um cliente irritado ou uma eutanásia, seu primeiro instinto pode induzi-lo a deixar de lado suas emoções para aguentar o resto do dia. Embora nossa profissão exija certo nível de habilidade para separar nossas emoções, isso não significa que não afete o nosso bem-estar. Da próxima vez que isso acontecer, tente fazer uma pequena pausa e escute o seu corpo (Listen). Talvez suas costas estejam doendo ou você esteja com fome, triste ou frustrado. Esses sentimentos são reais e precisam ser abordados.

Depois de Escutar (Listen), chegou a hora de Aceitar (Accept). Embora isso possa parecer um tanto abstrato, muitas vezes nós nos julgamos duramente e dizemos a nós mesmos coisas como: “Eu sou veterinário, não devo chorar”, “Tenho muito trabalho e não consigo parar para comer” ou “Minhas costas doem, mas eu aguento”. Por estarmos tão atarefados e ocupados em nosso trabalho, muitas vezes é difícil aceitar o que está acontecendo conosco; no entanto, é essencial que coloquemos em prática o ato de “aceitar sem julgar”.

A partir daí, Busque (Seek) um plano. Em vez de se julgar pelo que sente, pense em uma possível solução. Talvez você precise ir a algum lugar para chorar, buscar o apoio de um colega, fazer uma pausa um pouco mais longa para comer alguma coisa ou reservar cinco minutos para meditar ou alongar. O importante não é que você resolva ou solucione imediatamente como se sente, mas tente fazer algo a respeito. Tudo o que você está sentindo, quer esteja julgando ou não, é real. Quando você ignora esse fato e não faz nada sobre isso, suas emoções e feridas físicas podem começar a se acumular.

Em seguida, encontre uma solução e teste-a (Test). Se o que você tentou aparentemente não foi útil, tente algo diferente da próxima vez. A fadiga por compaixão não é uma condição estática; portanto, a solução também não será estática. Para ilustrar isso, apresentamos um cenário real como exemplo sobre como usar o acrônimo LAST em determinados momentos ou circunstâncias difíceis:

Acabo de realizar a quarta eutanásia do dia e é véspera de Natal. Entro no carro para voltar para casa, duas horas depois do que havia planejado. Sinto-me esgotada e não está fácil me concentrar na direção. Decido que a melhor coisa a fazer é parar e tentar colocar a ferramenta LAST em prática.

Escute (Listen): noto que tenho prendido a respiração e sinto um enorme peso no meu peito quando respiro. Minha visão está um pouco embaçada e tenho dor no maxilar de ranger ou apertar os dentes. Sinto uma profunda tristeza que não consigo arrancar de mim, mas sei que estou atrasada para as festas de final de ano, o que também me faz sentir culpada e sozinha.

Aceite (Accept): sei que, apesar de ser conhecida por “lidar” bem com as eutanásias, estava apenas acumulando a tristeza que sentia todas as vezes que realizava esse tipo de procedimento. Estou me sentindo sobrecarregada, triste e culpada. Tenho vontade de gritar, chorar ou os dois.

Buscar (Seek): Como sinto vontade de gritar ou chorar, penso que talvez seja isso mesmo que deva fazer. Começo dando um grito porque é a coisa mais fácil a se fazer. Foi estranho no começo, mas sozinha em meu carro, tentando não julgar a mim mesma, eu grito cada vez mais alto e, depois, choro. Começo a me sentir melhor e, então, consigo parar de chorar. 

Testar (Teste): Depois de me permitir gritar e chorar no carro por alguns minutos, sinto que consigo respirar com facilidade outra vez. Sinto-me menos sobrecarregada, agora que pude expressar na mesma intensidade parte da emoção que senti durante o dia. Acredito que o próximo passo seja secar minhas lágrimas e ir para casa, onde eu posso conversar com meu parceiro sobre o meu dia, para não me sentir tão sozinha.

Esperamos que esse exemplo ilustre como esse método pode ser usado para ajudá-lo(a) a descarregar suas emoções bloqueadas. Contudo, vale lembrar que a ferramenta LAST não é necessária apenas em circunstâncias extremas. Pequenos momentos e emoções se acumulam com o passar do tempo; assim, quanto mais você praticar o estado de consciência plena e o desbloqueio de emoções de menor intensidade à medida que surgirem, maiores serão suas chances de durar (LAST em inglês) nessa profissão maravilhosa. Alguns recursos que podem ser úteis, incluindo livros, páginas da web e aplicativos, estão listados no final deste artigo.

 

Outros recursos

Páginas da web

  • CompassionFatigue.org – contém recursos para lidar com a fadiga por compaixão.
  • Self-compassion.org – aborda as habilidades necessárias para desenvolver a compaixão por si mesmo.

Aplicativos

  • CALM – meditações conscientes e ajuda para dormir.
  • Headspace – meditação consciente.
  • SAM – autoajuda para o controle da ansiedade.
  • Happify – atividades e jogos baseados em evidências para reduzir o estresse e as emoções negativas.

 

Conclusão

Conforme prosseguimos nas pesquisas e no entendimento da fadiga por compaixão na profissão veterinária, também precisamos começar a abordar o que podemos fazer para lidar com isso. O primeiro passo consiste em definir a fadiga por compaixão e aprender a reconhecê-la em nós mesmos e nos outros. Tente falar com seus colegas ao notar os sintomas — ainda que você sinta que seja uma conversa difícil. Elabore um plano sustentável para cuidar de si mesmo como um todo e ajudar a prevenir os complexos efeitos da fadiga por compaixão a longo prazo. Além disso, o mais importante é ter a certeza de agir no momento em que você estiver mais estressado, utilizando o acrônimo LAST. Nós, médicos-veterinários, nos dedicamos a ajudar os animais e seus tutores a terem uma melhor qualidade de vida, mas não podemos continuar a ajudar os outros sem nos ajudarmos em primeiro lugar. Aqueles que são chamados para essa profissão devem não só ser capazes de sobreviver, mas também de crescer e se desenvolver.

 

Referências bibliográficas:

Bartram DJ, Baldwin DS. Veterinary surgeons and suicide: a structured review of possible influences on increased risk. Vet Rec 2010;166(13);388-397.

Nett RJ, Witte TK, Holzbauer SM, et al. Notes from the field: Prevalence of risk factors for suicide among veterinarians — United States, 2014. Centers for Disease Control and Prevention. Morb Mortal Wkly Rep 2015;64(05);131-132.

Notas do autor:

1 A fadiga por compaixão é uma condição caracterizada por desgaste (exaustão) físico e emocional que leva a uma diminuição na capacidade de sentir empatia ou compaixão pelos outros, frequentemente descrita como o lado negativo de cuidar dos outros (Wikipedia).

2 https://www.cdc.gov

3 Nota do tradutor: Abstração também é conhecida como contemplação abstrata. Trata-se de falta de atenção, distração e desatenção.

Sugestões de leitura:

Figley C, Roop R. Compassion Fatigue in the Animal Care Community. Washington DC, Humane Society Press, 2006.

Kabat-Zinn J. Full Catastrophe Living; Coping with stress, pain and illness, using mindfulness meditation. London, Piatkus, 2013.

Kabat-Zinn J. Wherever You Go, There You Are. London, Piatkus, 2004.

Dana D. Conflict Resolution New York, MacGraw-Hill, 2001.

Marshall Rosenberg Non-Violent Communication Encinitas, CA; PuddleDancer Press, 2015.

Fisher R, Ury W, Patton B. Getting to Yes Without Giving In. Bicester UK; Baker and Taylor, 2011.

 

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