Hipertireoidismo em gatos: do diagnóstico ao tratamento

Hipertireoidismo em gatos: do diagnóstico ao tratamento

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A afecção está entre as principais endocrinopatias encontradas na clínica de felinos. Trata-se de uma condição crônica e multifatorial que pode trazer diversas complicações para a vida do felino; saiba mais detalhes sobre o hipertireoidismo em gatos

O hipertireoidismo é caracterizado por uma desordem hormonal que geralmente é causada por uma disfunção autonômica da tireoide. O primeiro registro dessa síndrome clínica ocorreu em 1979, mas estudos recentes apontam um crescimento contínuo na incidência do hipertireoidismo felino.

No Brasil ainda há poucos estudos sobre a prevalência da doença. Um deles foi realizado em um hospital veterinário de São Paulo durante o período de 2013 a 2015 e identificou uma prevalência de 3,3% da doença nos gatos com idade superior a 8 anos (BARBIERI, 2018).

O tratamento pode ser curativo ou não, cabendo ao Médico-Veterinário considerar os prós e os contras de cada tratamento para recomendar a melhor opção, de acordo com o caso e considerando o estágio da doença, a gravidade, a idade do paciente, as condições gerais de saúde e outros (BARBIERI, 2018).

Diante dessas informações, fica clara a relevância do hipertireoidismo em gatos na clínica veterinária. Veremos a seguir mais detalhes sobre essa importante afecção.

O que causa o hipertireoidismo nos gatos?

A glândula tireoidiana é formada por dois lobos elipsóides, sendo um esquerdo e outro direito, unidos pelo istmo. Ela está localizada de forma adjacente à margem ventral da traquéia, caudalmente à laringe e medialmente à artéria carótida comum.

Essa glândula também é responsável pela secreção hormonal da calcitonina, triiodotironina (T3) e tiroxina (T4). Esses hormônios possuem funções primordiais para o bom funcionamento do organismo, sendo que a calcitonina auxilia na redução dos níveis de cálcio, enquanto o T3 e T4 regulam o metabolismo intermediário (CAYE e BECK, 2021).

A produção e secreção excessiva autônoma dos hormônios T3 e T4 pela glândula tireoidiana podem resultar no hipertireoidismo felino, que é uma enfermidade crônica que afeta um ou ambos os lobos da tireóide (CAYE e BECK, 2021).

Essa forma autônoma de produção dos hormônios tireoidianos não depende da estimulação exercida pelo TSH. Ou seja, inicia-se a hipersecreção do T4, seguida pela liberação reduzida do TSH em função da retroalimentação negativa.

Em 95 a 98% dos casos, a enfermidade é causada por hiperplasia adenomatosa multinodular. Porém, de forma menos frequente também pode ser originada a partir da hiperplasia multinodular e de carcinomas (ALBUQUERQUE et al, 2022).

Animais predispostos à doença

A afecção acomete, mais comumente, os felinos de meia-idade a idosos. A idade média dos gatos diagnosticados com hipertireoidismo está entre 12 e 13 anos. A doença é considerada rara nos gatos com menos de 8 anos de idade, representando apenas cerca de 5% dos casos (BARBIERI, 2018).

Além disso, embora não haja predisposição de gênero, estudos indicam que as fêmeas podem ser mais acometidas (BARBIERI, 2018).

A etiologia do hipertireoidismo felino é considerada multifatorial, incluindo predisposição genética, fatores nutricionais e ambientais. Os principais fatores de risco para a patologia incluem (CUNHA et al, 2015):

  • consumo de determinados alimentos enlatados ou úmidos;
  • isoflavonas de soja;
  • concentrações de selênio nos alimentos;
  • excesso ou deficiência de iodo;
  • bisfenol A (composto usado para fabricação de plásticos e alguns revestimentos);
  • determinados tipos de areias para caixas sanitárias;
  • exposição a substâncias goitrogenicas (que dificultam a absorção do iodo);
  • exposição a disruptores endócrinos;
  • exposição a PBDEs (éteres difenílicos polibromados);
  • exposição a herbicidas e pesticidas.

O desenvolvimento da enfermidade pode estar ainda relacionado à hereditariedade, sendo mais observada nos gatos domésticos, cujo ambiente é exclusivamente interior (CUNHA et al, 2015). Estudos mostram que os gatos siameses e himalaios podem ter menor predisposição genética ao desenvolvimento da doença (BARBIERI, 2018).

Para completar, não há relatos de predisposição racial relacionada ao hipertireoidismo em felinos. (BARBIERI, 2018).

Principais sinais clínicos de hipertireoidismo em gatos

Dentre as principais manifestações clínicas do hipertireoidismo felino estão a perda de peso, cerca de 90% dos casos apresentam perda de peso e de massa muscular acentuada em função do estado de catabolismo proteico), e a hiperatividade, mas também podem ocorrer (ALBUQUERQUE et al, 2022):

  • polifagia;
  • poliúria;
  • polidipsia;
  • vômitos, diarreias e desidratação;
  • defecação fora da caixa de areia;
  • aumento de volume das fezes;
  • alterações de comportamento (agressividade, irritabilidade, aumento na vocalização/miados);
  • pelos com aparência opaca, sem brilho e irregular;
  • bócio palpável;
  • fraqueza muscular e fragilidade (tais sintomas são mais comuns nos casos graves);
  • alterações cardiovasculares, como alterações de ritmo e na ausculta (taquicardia, arritmias, sopros/murmúrio cardíaco e ritmo de galope), hipertrofia ventricular e insuficiência cardíaca congestiva. Nos casos de ICC também pode haver de forma menos comum edema, dispneia e efusões.

O animal acometido também pode apresentar manifestações clínicas menos comuns, como hiporexia, alopecia irregular ou regional, letargia, aumento da temperatura corporal, taquipnéia e diminuição da atividade física (ALBUQUERQUE et al, 2022).

Diagnosticando o hipertireoidismo felino

O hipertireoidismo felino pode ocorrer de forma concomitante a outras doenças, afetando órgãos vitais como coração, rins e outros. Algumas enfermidades podem dificultar o diagnóstico da doença ao manter os níveis de T4 dentro dos valores de referência esperados (BARBIERI, 2018). Portanto, é sempre importante avaliar o animal de forma geral, visando levantar possibilidades diagnósticas mais assertivas.

O diagnóstico do hipertireoidismo em gatos é composto pelo conjunto de uma minuciosa anamnese, presença de sinais clínicos no paciente, avaliação clínica (para verificar se há perda de massa muscular, aumento nas taxas cardíacas e respiratórias, hipertensão e aumento palpável da glândula da tireoide), além de exames complementares capazes de confirmar o diagnóstico. (BARBIERI, 2018).

Diante da suspeita da doença, o Médico-Veterinário deve solicitar exames complementares, sendo os principais (BARBIERI, 2018):

  • dosagem do hormônio tireoidiano T4 livre: essencial para diagnóstico definitivo. Uma concentração sérica de T4 aumentada de forma anormal em conjunto com os sinais clínicos e/ou aumento palpável da glândula tireóide sugere fortemente o diagnóstico da doença;
  • hemograma: animais acometidos podem ter a presença de corpúsculos de Heinz, aumento no número de eritrócitos (podendo estar diretamente relacionado à tireotoxicose, visto que os hormônios tireoidianos estimulam a secreção de eritropoietina), elevação leve do hematócrito e macrocitose;
  • análises bioquímicas: pode haver aumento de enzimas como ALT, FA, AST, CK, além de aumento de triglicerídeos e das concentrações séricas de ureia. No entanto, a frutosamina sérica é significativamente mais baixa nos gatos com hipertireoidismo;
  • urinálise: pode haver alterações como a redução da densidade urinária, proteinúria, indicativos de infecção urinária e cetonúria.

Diagnóstico diferencial

Além desses exames, o Médico-Veterinário poderá solicitar outros, de acordo com cada caso, e também para fazer diagnóstico diferencial com outras doenças.

Os exames ultrassonografia tireoidiana, radiografia torácica, ecocardiografia, eletrocardiograma e outros também podem ser solicitados, a depender das suspeitas diagnósticas, visto que os sinais clínicos presentes no hipertireoidismo felino também podem ser semelhantes a outras doenças e problemas de saúde, como (ALBUQUERQUE et al, 2022):

  • má nutrição;
  • hipóxia hepática;
  • diabetes mellitus;
  • insuficiência cardíaca congestiva;
  • infecções;
  • efeitos tóxicos dos hormônios tireoidianos sobre o fígado;
  • doença renal crônica;
  • outras.

Conforme mencionado, o hipertireoidismo pode mascarar os sinais clínicos de doença renal crônica em alguns felinos, que poderão apresentar azotemia ou degradação da função renal em virtude do tratamento. Sendo assim, é aconselhável iniciar o tratamento com uma terapia reversível (por exemplo medicamentosa), até que se possa fazer a avaliação do impacto do HTF sobre a função renal do gato acometido (BARBIERI, 2018).

Como tratar o hipertireoidismo felino

O tratamento é altamente recomendado para evitar que os sinais clínicos progridam ou surjam outras complicações mais sérias, como danos a órgãos vitais como o coração, rins e outros.

Quando o tratamento é precoce e ocorre de forma adequada, o prognóstico tende a ser favorável na maioria dos casos.

O tratamento poderá envolver uma equipe multidisciplinar, sendo que o Médico-Veterinário endocrinologista poderá conduzir o tratamento do hipertireoidismo felino, enquanto o clínico especialista em felinos avaliará as demais condições de saúde do pet, tratando também as outras possíveis doenças subjacentes e/ou concomitantes, além de auxiliar na prevenção de outras patologias.

Atualmente existem quatro opções de tratamento disponíveis para o hipertireoidismo felino (BARBIERI, 2018).

  • Medicamentos antitireoidianos: consiste na administração de fármacos como o metimazol ou carbimazol, visando inibir a produção de hormônios tireoidianos. O metimazol é o fármaco de escolha, devido ao menor potencial para o surgimento de efeitos colaterais. A terapia medicamentosa não é curativa, porém é a mais utilizada atualmente por ser um tratamento conservativo e com resultados satisfatórios. Geralmente também é utilizado em pacientes que aguardam pela terapia com iodo radioativo ou pela cirurgia. Vale ressaltar que o animal em tratamento deverá ser monitorado com maior frequência até que a dose efetiva seja estabelecida e, depois, o período de monitoramento poderá ser prolongado, mas ainda assim deverá ocorrer conforme frequência estabelecida pelo profissional responsável pelo caso.
  • Iodo radioativo: a técnica curativa consiste na administração de baixa dosagem de iodo radioativo para que o tecido da tireoide superativo o absorva, destruindo o tecido afetado e preservando a parte fisiologicamente normal que continuará em pleno funcionamento.
  • Dieta com restrição de iodo: a terapia nutricional não é curativa, mas visa o controle da doença. Nesse caso, é necessário realizar o monitoramento hormonal do pet. Embora o mercado pet esteja em ascensão mundial, atualmente o acesso a alimentos com restrição de iodo é extremamente restrito no mercado brasileiro, portanto esse tipo de terapia não costuma ser realizada.
  • Tireoidectomia: a técnica cirúrgica para remoção de parte ou de toda a glândula tireoide também é considerada curativa.

O Médico-Veterinário responsável por conduzir o caso deverá avaliar o caso de forma individualizada para, então, recomendar o tratamento mais adequado ao caso.

Manejo alimentar do gato com hipertireoidismo

Sabe-se que o acesso ao tratamento dietético com alimentos direcionados para o paciente hipertireoideo é restrito no Brasil. Porém, é extremamente importante ressaltar que para prevenir diversas outras enfermidades nos felinos o fornecimento de um excelente suporte nutricional se faz essencial.

Além disso, um bom manejo alimentar auxilia no funcionamento adequado de importantes órgãos como rins e fígado, que são essenciais para que o indivíduo consiga metabolizar e excretar fármacos, respondendo melhor aos tratamentos preconizados não somente para o hipertireoidismo, mas também para diversas outras patologias..

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Referências bibliográficas

BARBIERI, Claudia Ruga. Avaliação de fatores de risco para o desenvolvimento de hipertireoidismo felino: o possível papel dos disruptores endócrinos. 2018, p. 11-55. Dissertação – Bacharel em Medicina Veterinária – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2018. Disponível em: https://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/207159. Acesso em: 13 ago. 2022.

CAYE, Taysa da Silva; BECK, Cristiane. Revisão de literatura – hipertireoidismo felino. 2021, p. 1-18. Dissertação – Bacharel em Medicina Veterinária – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2021. Disponível em: https://bibliodigital.unijui.edu.br:8443/xmlui/handle/123456789/7239. Acesso em: 14 ago. 2022.

ALBUQUERQUE, Ana Paula Lourenção et al. Hipertireoidismo felino: uma revisão. Brazilian Journal of Development, Curitiba, v. 8, n. 03, p. 22503-22518, 2022. Disponível em: https://brazilianjournals.com/ojs/index.php/BRJD/article/view/45876/0. Acesso em: 14 ago. 2022.

CUNHA, Sofia et al. Hipertireoidismo felino: abordagem diagnóstica e terapêutica na região da grande Lisboa. Revista Lusófona de Ciência e Medicina Veterinária, Lisboa, v. 7, p. 5-14, 2015. Disponível em: https://revistas.ulusofona.pt/index.php/rlcmv/article/view/4957. Acesso em: 13 ago. 2022.