COVID-19: qual a relação do coronavírus com os animais?

COVID-19: qual a relação do coronavírus com os animais?

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Estar atualizado na medida em que o conhecimento científico sobre a pandemia de COVID-19 avança é essencial para evitar a disseminação de informações falsas e manter a saúde das pessoas e dos pets. Saiba mais!

Em 11 de março de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) anunciou a pandemia da COVID-19, uma doença causada pelo patógeno chamado Sars-Cov-2 (Severe Acute Respiratory Syndrome Coronavirus 2).

Pandemias virais humanas recentes, incluindo a síndrome respiratória aguda grave (SARS), a síndrome respiratória do Oriente Médio (MERS) e, mais recentemente, a COVID-19, demonstram o potencial zoonótico dos coronavírus e também seu potencial de causar efeitos devastadores na população.

Embora a relação dos animais de estimação com a COVID-19 ainda não esteja totalmente elucidada, muitos estudos foram publicados desde o início do surto e uma melhor compreensão destes vírus, da sua capacidade de transmissão entre espécies, e o compartilhamento de informações genéticas podem facilitar melhores estratégias de prevenção e controle para futuros coronavírus zoonóticos emergentes.

Como surgiu o Sars-Cov-2

Os coronavírus são vírus da família Coronaviridae e estão divididos em quatro gêneros: alfacoronavirus, betacoronavirus, gamacoronavirus e deltacoronavirus, sendo os dois primeiros originários de morcegos e que infectam predominantemente mamíferos, enquanto os demais são originários de aves e são capazes de infectar espécies de aves e mamíferos.

Os coronavírus são vírus de RNA envelopados capazes de causar doenças respiratórias, entéricas ou sistêmicas em uma variedade de hospedeiros mamíferos. A gama de hospedeiros e o tropismo tecidual são amplamente determinados pela proteína spike do vírus, que inicia a infecção celular promovendo a fusão das membranas virais e da célula hospedeira.

Evidências científicas mostram que os morcegos são os potenciais hospedeiros iniciais do Sars-Cov-2, enquanto os pangolins são sugeridos como possíveis hospedeiros intermediários, embora este tópico ainda seja amplamente discutido pela comunidade científica.

Acredita-se que a transmissão do animal para o homem esteja relacionada com um grupo de pessoas infectadas que foram previamente expostas a um mercado de frutos do mar em Wuhan, China, conhecido pela comercialização de alimento exótico local. Vale pontuar, entretanto, que nossa compreensão acerca da origem da pandemia pode evoluir à medida que os mecanismos epidemiológicos relacionados ao vírus são elucidados pela ciência.

A COVID-19 pode atingir animais domésticos?

Sabe-se que o Sars-Cov-2 pode afetar não somente seres humanos, mas também animais domésticos e selvagens, tornando-se um problema de saúde global. A capacidade de infecção do Sars-Cov-2 em animais de companhia, no entanto, ainda é pouco compreendida.

Até o momento existem alguns relatos pontuais de infecção e sinais clínicos da doença provocada por esse coronavírus em cães e gatos. O primeiro caso de COVID-19 em animais de companhia foi relatado na China, em um cão da raça Pomeranian. Mais tarde, outros relatos raros de animais infectados cujos tutores testaram positivo para COVID-19 foram publicados em diversos países (CSISZAR et al., 2020; CALVET et al., 2021; CARVALHO et al., 2021; EPIFANIO et al., 2021; FERASIN et al., 2021; FERNÁNDEZ-BASTIT et al., 2021). Por outro lado, um estudo realizado no Brasil com 125 gatos e cães com apresentação clínica compatível com Covid-19 revelou que todos os animais testaram negativo para o Sars-Cov-2 (CARVALHO et al., 2021).

Quanto às demais espécies, existem relatos de infecção em felinos selvagens e até alguns casos de leopardos que evoluíram para óbito por complicações suspeitas de estarem relacionadas à COVID-19. Dois zoológicos nos Estados Unidos confirmaram resultados positivos para o teste da COVID-19 em tigres, leões e leopardos que apresentaram sintomas respiratórios compatíveis com a doença. Mais estudos e pesquisas devem ser conduzidos para que a ciência possa ter uma melhor compreensão acerca dos mecanismos fisiopatológicos e epidemiológicos do Sars-Cov-2 nas diferentes espécies animais.

Este cenário indica que as evidências científicas existentes são pontuais e atualmente não se considera que animais domésticos e selvagens desenvolvam a COVID-19 e nem que tenham papel significativo na transmissão do Sars-Cov-2 para seres humanos.

Esta é uma importante informação a ser repassada aos tutores, confortando-os no intuito de continuarem próximos e cuidando de seus animais de estimação. Gatos e cães, por exemplo, são acometidos por coronavírus espécie-específicos, como será abordado a seguir.

Coronavírus felino

Abordando o coronavírus em animais, o principal tipo que acomete os gatos é o vírus responsável pela peritonite infecciosa felina (PIF), uma das doenças de maior relevância na medicina felina, especialmente em filhotes, idosos e indivíduos imunossuprimidos.

O vírus da PIF é endêmico em populações de gatos domésticos em todo o mundo e infecta principalmente os enterócitos intestinais, causando atrofia das vilosidades da mucosa, descamação e degeneração das células epiteliais.

A doença geralmente evolui para um quadro grave e, até pouco tempo, era considerada fatal. Porém, recentemente novas possibilidades terapêuticas foram trazidas para a prática da medicina clínica, o que atualmente permite realizar o tratamento da enfermidade.

Portadores subclínicos do vírus da PIF desempenham papel importante na disseminação do vírus para outros gatos por via oral-fecal, especialmente naqueles animais alojados em ambientes fechados e em ambientes com muitos gatos vivendo juntos, como abrigos e gatis.

Coronavírus entérico canino (CCoV) e coronavírus respiratório canino (CRCoV)

O coronavírus entérico canino (CCoV) é de ocorrência comum e foi relatado pela primeira vez em 1971 na Alemanha, apresentando distribuição mundial. Embora não seja universalmente reconhecido como um importante patógeno nesta espécie, uma vez que geralmente causa sintomas gastrointestinais leves e autolimitantes, existem relatos em literatura que demonstram que esse coronavírus canino está significativamente associado à diarreia nos animais acometidos.

Assim como o coronavírus felino, o CCoV também é transmitido pela via oral-fecal, com maior prevalência em cães alojados em populações densas. Quadros mais graves foram relatados na presença de co-infecção de CCoV com outros vírus, como por exemplo, o parvovírus canino.

Já o coronavírus respiratório canino (CRCoV) foi descoberto em 2003 no Reino Unido e também apresenta distribuição mundial, sendo um componente etiológico da doença respiratória infecciosa canina, também conhecida como tosse dos canis.

Esta é uma síndrome de doença respiratória altamente contagiosa associada a vários agentes microbianos e virais e é facilmente transmitida por aerossóis entre cães alojados em grupos de densidade populacional alta, como abrigos ou canis.

Outros patógenos associados a tosse dos canis incluem adenovírus canino (CAV-2), vírus da parainfluenza canina, Bordetella bronchiseptica e herpesvírus canino.

Cuidados com os pets em casa e na clínica veterinária

Voltando a abordar a atual pandemia da COVID-19, confira abaixo algumas dicas práticas para orientar os tutores dos pets e para adotar na clínica veterinária:

  • Lavar as mãos com frequência utilizando água e sabão. Os coronavírus são revestidos por uma camada externa de proteção formada por substâncias lipídicas (gordura), e portanto, são facilmente eliminados por meio do uso de produtos de higiene pessoal e de limpeza;
  • Usar máscara facial cobrindo nariz e boca e álcool gel para limpeza das mãos, principalmente quando a higienização com água e sabão não for possível;
  • Higienizar objetos, superfícies e áreas comuns da clínica veterinária, principalmente entre atendimentos clínicos;
  • Adotar o distanciamento social, evitar exposições desnecessárias e aglomerações;
  • Após retornar do passeio com o pet, adotar medidas de higienização das patas;
  • Evitar, se possível, o contato dos animais com seres humanos infectados com a COVID-19;
  • Manter consultas de rotina ao médico-veterinário, assim como manter medicamentos de uso contínuo e respeitar o calendário de vacinação do pet;
  • Fornecer diariamente a nutrição adequada e habitual do animal. Lembrar-se de sempre fornecer água limpa e fresca;
  • Procurar informações confiáveis em fontes sérias e de credibilidade. Desta forma todos se mantêm atualizados sobre o conhecimento no que diz respeito a COVID-19, evitando a disseminação de falsas notícias.

Outras zoonoses comuns que devemos ficar atentos

Diversas outras doenças de caráter zoonótico devem ser lembradas durante a consulta veterinária de gatos e cães, especialmente por que com o advento da vacinação, muitas delas são pouco abordadas detalhadamente durante a consulta.

Em uma pesquisa realizada por Oliveira-Neto e colaboradores (2018) no interior do Estado de São Paulo entrevistou 100 tutores de gatos e cães para avaliar seu conhecimento sobre zoonoses. Destes, 74% revelaram desconhecer o termo “zoonoses” e 80% alegaram nunca ter recebido esclarecimento sobre o tema. Isso demonstra o desconhecimento da população alvo sobre as zoonoses citadas, e estes resultados são importantes para o delineamento de estratégias de educação sanitária preventiva com foco em saúde pública.

Alguns exemplos das principais zoonoses na clínica de gatos e cães são:

  • Raiva
  • Leishmaniose
  • Leptospirose
  • Esporotricose
  • Criptococose
  • Escabiose

No momento em que vivemos, é importante manter as boas práticas de saúde em mente, assim como se manter atualizado. E nós, do Portal VET, estamos aqui para colaborar com seus estudos. Saiba mais sobre boas práticas com os animais de estimação no vídeo abaixo:

Referências bibliográficas

CALVET, G.A.; PEREIRA, S.A.; OGRZEWALSKA, M. et al. Investigation of Sars-Cov-2 infection in dogs and cats of humans diagnosed with COVID-19 in Rio de Janeiro, Brazil. Plos One, 2021.

CARVALHO, O.V.; RISTOW, L.E.; RODRIGUES, D.S. Retrospective surveillance of severe acute respiratory syndrome coronavirus 2 in pets from Brazil. Veterinary World, 2021.

CSISZAR, A.; JAKAB, F.; VALENCAK, T.G. et al. Companion animals likely do not spread COVID-19 but may get infected themselves. GeroScience, 2020.

EPIFANIO, I.S.; RODRIGUES, D.S.; LIMA, L.B. et al. First repport of severe acute respiratory syndrome coronavirus 2 detection in two asymptomatic cats in the state of Pernambuco, Northeastern Brazil. Veterinary World, 2021.

FERASIN, L.; FRITZ, M.; FERASIN, H. et al. Infection with Sars-Cov-2 variant B.1.1.7 detected in a group of dogs and cats with suspected myocarditis. Vet Record, 2021.

FERNÁNDEZ-BASTIT, L.; RODON, J.; PRADENAS, E. First detection of Sars-Cov-2 Delta (B.1.617.2) variant of concern in a dog with clinical signs in Spain. Viruses, 2021.

HAAKE, C.; COOK, S.; PUSTERLA, N.; MURPHY, B. Coronavirus infections in companion animals: virology, epidemiology, clinical and pathologic features. Viruses, 2020.

KIROS, M.; ANDUALEM, H.; KIROS, T.; et al. COVID-19 pandemic: current knowledge about the role of pets and other animals in disease transmission. Virology Journal, 2020.

OLIVEIRA-NETO, R.R.; SOUZA, V.F.; CARVALHO, P.F.G.; FRIAS, D.F.R. Nível de conhecimento de tutores de cães e gatos sobre zoonoses. Rev. Salud Publica, 2018.