Covid-19: cuidados financeiros intensivos

Covid-19: cuidados financeiros intensivos

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Artigo extraído da Revista Veterinay Focus – Special Practice Management, edição especial COVID-19 – maio 2020

O segredo para a sobrevivência financeira durante a pandemia da COVID-19 é ter conhecimentos básicos sobre a economia da clínica veterinária e compreender como os rendimentos, as despesas e os lucros estão interligados.

 

Philippe Baralon

DVM, MBA (médico-veterinário com MBA)

Sobre o autor

Phylum, França

O Dr. Baralon se formou como médico-veterinário pela École Nationale Vétérinaire (Escola Nacional de Veterinária) de Toulouse (França) em 1984. Também estudou economia (Mestrado em Economia em Toulouse, 1985) e administração de empresas (MBA da Escola de Altos Estudos Comerciais de Paris,  1990). Baralon fundou a sua própria rede de consultoria, chamada Phylum, em 1990 e permanece como um de seus sócios até o momento, atuando principalmente como consultor especializado em gestão de clínicas veterinárias em 26 países em todo o mundo. Suas principais áreas de especialização são focadas em estratégia, marketing e finanças. Ele também está envolvido no treinamento de médicos-veterinários e da equipe de apoio na área de gestão de clínicas através de palestras e workshops, bem como em projetos de benchmarking (estudos comparativos) de economia em medicina veterinária em diferentes partes do mundo. Além disso, Philippe Baralon é o autor de mais de 50 artigos sobre gestão de clínicas veterinárias.

 

Lucile Frayssinet 

DVM (médica-veterinária)

Sobre a autora

Phylum, França

A Dra. Frayssinet é uma médica-veterinária francesa que se formou pela École Nationale Vétérinaire (Escola Nacional de Veterinária) de Toulouse (França) em 2019. Atualmente, ela é consultora em Gestão de Clínicas Veterinárias da Phylum, com foco internacional em questões estratégicas e de marketing. Ela dá uma ênfase especial na tendência à corporização em medicina veterinária, tanto na Europa como no mundo, e também esteve recentemente envolvida em uma pesquisa aprofundada sobre a evolução da demografia veterinária na França e na Europa.

 

Pere Mercader

DVM, MBA (médico-veterinário com MBA)

Sobre o autor

Veterinary Management Studies (Estudos em Gestão Veterinária), Barcelona, Espanha

O Dr. Pere Mercader se consagrou como consultor em gestão de clínicas veterinárias em 2001 e, desde então, exerce esse papel em países como Espanha, Portugal e alguns da América Latina. Suas principais conquistas incluem a autoria de estudos de pesquisa sobre rentabilidade e precificação, envolvendo clínicas veterinárias espanholas, além de ministrar palestras na área de gestão de clínicas em mais de 30 países e ser o autor do livro “Soluciones de Gestión para Clínicas Veterinarias” (Soluções de Gestão para Clínicas Veterinárias), publicado em diversos idiomas (espanhol, inglês e chinês) e vendido em todo o mundo. Em 2008, ele foi cofundador do VMS (Veterinary Management Studies, Estudos em Gestão Veterinária), uma empresa de inteligência empresarial (do inglês business intelligence) que presta serviços de benchmarking (estudos comparativos) para mais de 800 clínicas veterinárias na Espanha. O Dr. Mercader também foi cofundador da Asociación para la Gestión Veterinaria (AGESVET, Associação Espanhola de Gestão de Clínicas Veterinárias) e atuou em seu conselho por 8 anos.

 

CATEGORIA

Gestão de Clínicas

PALAVRAS-CHAVES: falência, caixa, risco financeiro, lucro, receita

 

PONTOS-CHAVES

  • As clínicas veterinárias são vulneráveis nesta crise, porque é impossível adaptar seus altos custos fixos à súbita queda na demanda por seus serviços.
  • O impacto nas receitas e nos lucros dependerá das regras impostas durante o isolamento (lockdown) por cada país, bem como do tipo e do porte da clínica veterinária.
  • A capacidade de sobreviver financeiramente dependerá em grande parte da habilidade da equipe de gestão em se adaptar e reagir à situação conforme ela evolui.
  • Um bom entendimento do fluxo de caixa (entradas e saídas) de uma empresa é essencial para controlar os custos e maximizar os rendimentos durante a crise.

 

Os autores agradecem a Antje Blättner e Susie Samuel pela contribuição delas na elaboração deste artigo.

Introdução

O presente artigo foi redigido durante o estágio de surto da pandemia do coronavírus e, dependendo do país, foram impostas medidas de confinamento (umas mais, outras menos restritivas) de diferentes semanas de duração. Qual será o impacto financeiro desse vírus e quais serão suas consequências em clínicas veterinárias a curto, médio e longo prazo? Ainda é muito cedo para saber claramente sobre o que irá acontecer, mas já estão sendo observadas algumas evidências sólidas a respeito: de acordo com o relatório recente da Veterinary Management Studies (VMS) sobre a COVID-19, feito com base em um conjunto de 343 clínicas veterinárias na Espanha, a receita total das clínicas diminuiu 33,2% em média no período de 3 semanas a partir de 16 de março de 2020; nesse caso, também se observaram os piores resultados nos serviços veterinários do que na venda de produtos (Figura 1). Em outro estudo realizado pela CM Research1 (Coronavírus – onda 2: Qual o impacto da COVID-19 na profissão do médico-veterinário e em suas clínicas?) envolvendo 870 médicos-veterinários de sete países diferentes (Estados Unidos, Reino Unido, Austrália, França, Itália, Espanha e Alemanha), a semana do dia 27 de março registrou um considerável declínio na receita das clínicas em comparação à semana anterior, variando de no mínimo –12% (na Austrália) até no máximo –62% (na Itália) (Figura 2). Em todo o caso, fica claro que essa pandemia irá gerar uma séria perda de receita para as clínicas veterinárias, provavelmente algo entre 15 e 50%, e por um período ainda desconhecido.

 


Nota do tradutor: CM Research é uma agência de pesquisa de mercado independente, especializada no setor veterinário, incluindo os tutores de pets.

Figura 1. Índice de atividade de clínicas veterinárias durante a COVID (De 16 de março a 3 de abril, com base em um conjunto de 343 clínicas veterinárias na Espanha). © VMS / reproduzida por Sandrine Fontègne

Figura 2. Resumo do impacto da COVID-19 em áreas importantes (Dados obtidos de um estudo independente realizado pela CM Research Ltd. entre 27 de março e 2 de abril de 2020). © CM Research / Reproduzida por Sandrine Fontègne

 

Por que as clínicas veterinárias são particularmente vulneráveis?

As clínicas veterinárias em todo o mundo estão em risco caso ocorra uma queda súbita na demanda por seus serviços, principalmente em função dos chamados custos fixos. Na maioria das clínicas, a estrutura típica de ganhos e perdas (com alguma variação óbvia entre os diferentes tipos de clínicas) pode ser amplamente dividida da seguinte maneira (Tabela 1).

% da renda Natureza do custo
Receita 100
Mercadorias e suprimentos 20-30 Variável
Folha de pagamento (donos e funcionários) 40-50 Fixo
Despesas gerais (instalações, administração, etc.) 15-20 Fixo
EBITDA* +5 a 15%

Tabela 1. Estrutura típica de ganhos e perdas para uma clínica.

2 O EBITDA* (Lucros Antes de Juros, Impostos, Depreciações e Amortizações) é uma medida do desempenho financeiro geral de uma empresa e, frequentemente, é usado para representar o lucro de um negócio.


* Nota do tradutor: No Brasil, EBITDA também é conhecido como LAJIDA.

 

Um custo é considerado como fixo quando ele não varia com o volume de trabalho da clínica, pelo menos a curto prazo (i.e., em meses ou em um ano). Alguns exemplos típicos desse tipo de custo são o aluguel do imóvel da clínica ou o tamanho da folha de pagamento, os quais serão os mesmos (ou muito difíceis de mudar) se 20 ou 100 pets entrarem na clínica em um determinado dia. Por outro lado, o volume de mercadorias e suprimentos adquiridos pela clínica será mais adaptável ao nível de atividade da clínica, o que significa que, se houver menos clientes em algumas semanas, a clínica comprará menos; esses são os custos variáveis.

 

É possível modificar a Tabela 1 para mostrar como seria a estrutura de ganhos e perdas de uma clínica, utilizando três cenários diferentes, em que a receita diminui em 20, 30 ou 50%, conforme mostrado na (Tabela 2).

Situação

antes da crise

Queda de 20% na receita Queda de 30% na receita Queda de 50% na receita
Receita 100 80 70 50
Mercadorias e suprimentos 20-30 16-24 14-21 10/15
Folha de pagamento (sócios e funcionários) 40-50 40-50 40-50 40/50
Despesas gerais (instalações, administração, etc.) 15-20 15-20 15-20 15/20
EBITDA* +5 a +15 -5 a -15 -10 a -20 -15 a -30

Tabela 2. Variação nos ganhos e nas perdas com diminuição na receita (todos os valores em %).

 

Todas as clínicas são afetadas no mesmo grau?

Esta é uma pergunta difícil de responder, pois não há nenhuma experiência anterior no setor veterinário de uma queda tão súbita na demanda como a que está acontecendo atualmente. O resultado dependerá de uma série de fatores:

  • Se um governo aplicar uma política de “atendimento emergencial apenas”, para que somente os casos urgentes possam ser atendidos por uma clínica, isso poderá forçar muitas clínicas de pequeno porte a fecharem temporariamente; isso pode fazer com que o número de casos dessas clínicas seja absorvido ou assumido por unidades maiores. Teoricamente, essas clínicas de porte maior, por sua vez, poderiam até registrar um aumento em seu número de casos e receita.
  • Se um governo permitir que todas as clínicas veterinárias permaneçam abertas sem nenhum tipo de restrição quanto aos “motivos de consulta”, as pequenas clínicas de bairro poderão se preparar melhor para manter a receita, pois elas continuarão sendo a escolha preferida dada sua proximidade física com o cliente; muitas vezes, elas também serão capazes de oferecer melhores ofertas em alimentos e outros produtos para pets. Este é o cenário que estamos vendo atualmente na Espanha.
  • Do ponto de vista de custo, as clínicas e os hospitais veterinários de porte maior certamente serão mais afetados, pois eles costumam ter uma porcentagem mais alta de gastos com mão de obra (uma vez que possuem uma equipe mais qualificada e, portanto, mais bem paga). Nesse tipo de clínica, o segredo é até que ponto as medidas temporárias implementadas pelo governo permitirão a redução dos trabalhadores efetivos, sem incorrer em encargos excessivos tanto para a clínica como para a própria equipe.

Por quanto tempo as clínicas conseguirão sobreviver com a “água no pescoço”?

Por quanto tempo uma clínica veterinária consegue resistir a uma grande queda na receita sem entrar em colapso? Aqui, o tempo é um fator crítico, e a resposta basicamente depende de cinco variáveis:

  • A intensidade de diminuição da receita; obviamente, uma queda gradativa de 10% não é o mesmo que uma redução prolongada e ininterrupta de 30 ou 50%.
  • A viabilidade de reduzir temporariamente o tamanho da folha de pagamento sem ter de pagar por grandes indenizações. Na maioria dos países, isso só será possível se o governo implementar algumas medidas extraordinárias.
  • A capacidade e a dedicação da equipe de gestão da clínica quanto à administração do caixa. Isso envolve a solicitação e a obtenção de forma rápida e eficiente de todos os programas de apoio financeiro disponíveis (p. ex., isenções temporárias de impostos, empréstimos com baixa taxa de juros endossados pelo governo, etc.). Isso também implica renegociar, sempre que possível, todos os prazos de pagamentos com vários fornecedores, incluindo o locador das instalações da clínica, os distribuidores e a locação de equipamentos.
  • A solvência*** do negócio; isso se baseia essencialmente em quão saudável é o balanço da empresa. Uma clínica com ativos sólidos (instalações próprias, boas reservas em caixa) e baixos níveis de dívidas estará em uma melhor posição para enfrentar uma crise temporária.
  • A disposição e a capacidade do(s) dono(s) da clínica em absorver pessoalmente as perdas e injetar capital próprio no negócio.

Quanto mais fraca for a clínica nesses cinco pontos, menos tempo ela conseguirá resistir a uma recessão econômica ou crise financeira. Uma queda súbita e significativa na receita, combinada com má gestão do caixa, leis trabalhistas rígidas e falta de apoio financeiro, podem acabar com uma clínica em questão de semanas.

O caixa é o oxigênio de uma empresa: e quanto à “ventilação mecânica” para a clínica?

Ao enfrentar uma grande crise com uma queda drástica na receita, algumas vezes é necessário implementar medidas extraordinárias para garantir que uma empresa possa se manter viva e ativa. Isso significa ter caixa suficiente para pagar todas as despesas necessárias. Qualquer negócio pode acumular grandes perdas e ainda sobreviver – ou até mesmo crescer – desde que não fique sem caixa. Por exemplo, até recentemente, a Amazon sofreu enormes prejuízos por anos e ainda se tornou uma das maiores empresas de todos os tempos.

 


*** Nota do tradutor: Solvência, em finanças e contabilidade, é o estado do devedor que possui seu ativo maior do que o passivo, ou a sua capacidade de cumprir os compromissos com os recursos que constituem seu patrimônio ou seu ativo.

 

Entendendo as origens e os usos do caixa

Para uma clínica veterinária ou um pequeno grupo de clínicas, a demonstração do fluxo de caixa pode ser resumida conforme ilustrado no (Quadro 1).

 

Quadro 1. Demonstração simplificada do fluxo de caixa.

 

Um período de tempo (que pode ser um dia, uma semana, um mês, um ano…) começa com determinada quantia em dinheiro ou equivalentes (depósitos a curto prazo…). Durante esse período, por um lado, várias fontes geram recursos que aumentam as reservas e, por outro lado, várias despesas esvaziam o caixa.

O balanço dessas operações explica a diferença entre a quantia do caixa no início do período e a quantia de dinheiro que sobra no final do mesmo período.

De modo geral, distinguimos três tipos diferentes de alterações no fluxo de caixa:

  • Em primeiro lugar, as variações de caixa decorrentes de atividades operacionais (as operações diárias normais da clínica) que afetam o EBITDA; isso geralmente ocorre em pagamentos por mercadorias e serviços que constituem a principal fonte diária do caixa e é influenciado por mudanças no inventário (pela compra de estoque) ou por outras obrigações contraídas (p. ex., utilitários, salários) que consomem o caixa.
  • Em segundo lugar, as variações de caixa ligadas às atividades de investimento e financiamento. Por exemplo, se um novo equipamento for adquirido a um custo de 50 mil de euros e financiado com um empréstimo bancário no mesmo valor, não há mudança da reserva do caixa no dia da compra, mas haverá o consumo de uma parte do caixa todas as vezes que uma parcela do empréstimo for paga. Alternativamente, se o mesmo equipamento for adquirido sem nenhum empréstimo bancário para pagá-lo (utilizando o caixa existente), sofreremos uma redução de 50 mil euros no dia da compra.
  • Por fim, as variações de caixa vinculadas às operações de capital de giro, quando pagamos dividendos a donos, sócios ou acionistas, ou quando solicitamos a eles para adicionar recursos, seja capital próprio ou empréstimos a curto prazo.

 

Otimização do caixa durante uma crise

Para ser muito claro, a gestão do caixa durante uma crise é apenas uma medida a curto prazo, e qualquer estratégia de recuperação não se baseia nela, mas às vezes pode ser necessário, ou até mesmo vital, seguir as recomendações exibidas no (Quadro 2), só para não ficar sem dinheiro.

Quadro 2. Principais recomendações para a otimização do caixa durante a gestão de uma crise.

 

As principais recomendações são as seguintes:

 

Figura 3. Durante a crise, você deve implementar uma política de pagamentos à vista. ©Shutterstock

 

  • O ponto de partida é esperar uma acentuada redução do EBITDA, a ponto de ficar até negativo. É essencial tentar atenuar essa diminuição e, para isso, é necessário que a renda se mantenha o mais alta possível – embora se espere um declínio no número de casos – principalmente fazendo com que o valor médio por transação aumente.
  • Minimizar as contas pendentes da clínica, fazendo o possível para manter a renda, ou seja, é sábio adotar uma política de pagamentos à vista, para garantir que a clínica seja paga no momento da prestação de um serviço (Figura 3).
  • Diminuir o tamanho do estoque de medicações e alimentos, mesmo que isso signifique perder algumas promoções ou ofertas de fornecedores, desde que sejam garantidos o funcionamento normal da clínica e a venda dos produtos que os clientes desejam comprar.
  • No que diz respeito à liquidação de obrigações, é recomendável que o atraso no pagamento seja o menor possível para as principais partes interessadas, incluindo os salários dos funcionários (ainda que possivelmente não se pague o salário dos donos da clínica). No entanto, tente negociar um maior prazo de pagamento junto aos fornecedores. Além disso, não hesite em utilizar, conforme a necessidade, todas as medidas extraordinárias disponíveis para adiar alguns gastos, como o pagamento da previdência social e dos impostos, se permitido pelo governo de cada país.
  • Investimentos não essenciais devem ser adiados.
  • Explorar todas as medidas legais disponíveis para obter um caixa extra, como o refinanciamento dos empréstimos existentes ou até a relocação de alguns ativos (embora isso possa levar algum tempo para ser implementado), e solicitar empréstimos especiais oferecidos ou apoiados pelo governo.
  • Por fim, se necessário, é aconselhável cancelar qualquer pagamento de dividendos planejados. Pode ser necessário, inclusive, pedir para os acionistas, donos ou sócios introduzirem dinheiro no negócio, seja capital próprio ou empréstimos a curto prazo, se o balanço de fechamento indicar que a empresa está em risco.

 

Conclusão

Reconhecer a magnitude dessa crise e as ameaças que elas realmente representam aos negócios veterinários é essencial para a sobrevivência. Vale ressaltar que nenhuma das ações descritas anteriormente é capaz de “curar a doença”, mas podem vir a ser decisivas para ganhar tempo e, consequentemente, permitir a sobrevivência e a implementação de soluções reais até que, após o término da crise, possamos nos beneficiar de um sólido programa de recuperação.

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