Uma abordagem passo a passo para cães e gatos com diarreia crônica

Uma abordagem passo a passo para cães e gatos com diarreia crônica

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A diarreia é um dos motivos mais comuns que levam cães e gatos ao Médico- Veterinário. Os pacientes com diarreia aguda costumam necessitar de procedimentos necessidade de cuidados de suporte é o quesito mais importante, dependendo da gravidade da condição e de quaisquer complicações sistêmicas, como desidratação, distúrbios eletrolíticos ou até anemia. Os pacientes com diarreia crônica representam um desafio diagnóstico muito maior. Isso se deve em parte ao fato de que uma ampla variedade de diagnósticos diferenciais precisa ser considerada nesses pacientes (Tabela 1). Assim, deve-se utilizar uma abordagem sistemática para se chegar ao diagnóstico e tratamento mais apropriados. Em geral, seis etapas devem ser adotadas (Tabela 2).

 1. Obter o histórico e realizar o exame físico

Como acontece em qualquer outro processo de doença, é crucial obter um histórico clínico detalhado e realizar um exame físico completo para cada cão ou gato com diarreia crônica. A obtenção do histórico deve incluir perguntas sobre qualquer doença prévia, bem como sobre o problema atual. Um aspecto muito importante é obter um histórico alimentar completo, o que deve incluir questões a respeito da principal dieta oferecida ao animal de estimação, bem como sobre qualquer petisco que ele possa receber. Além disso, a diarreia deve ser bem-caracterizada, o que pode ser simplificado utilizando um quadro com fotos de diferentes qualidades das fezes. O histórico e o exame físico isolados fornecem informações suficientes para descartar doença dos sistemas cardiovascular ou nervoso central como uma causa da diarreia crônica.

2. Descartar e tratar os endoparasitas

Os endoparasitas continuam sendo uma importante causa de diarreia crônica, além de ser um quadro facilmente diagnosticado e tratado na maioria dos casos. Cada paciente deve ser submetido a, no mínimo, a um exame de fezes por meio de esfregaço direto e flotação. Independentemente do resultado, todo paciente deve ser tratado com algum agente anti-helmíntico de amplo espectro. Deve-se notar que o Tritrichomonas fetus é um importante, se não o mais importante, endoparasita em gatos. É recomendável a realização do teste de PCR (reação em cadeia da polimerase) para detecção desse microrganismo em todos os gatos com diarreia crônica, especialmente naqueles com sinais atribuídos ao intestino grosso e outros pertencentes a um grupo de risco (p. ex., colônias de gatos que vivem em ambientes internos).

3. Diferenciar as causas primárias e secundárias de diarreia crônica (ver Tabela 3)

 

4. Caracterizar o processo de doença

A diarreia pode ser caracterizada como diarreia do intestino delgado (volume aumentado, perda de peso comum e possível melena) ou diarreia do intestino grosso (frequência elevada, aumento do muco e possível hematoquezia); no entanto, deve-se notar que a colite isolada é rara em cães e não é comum em gatos. Outra forma de caracterizar ainda mais o processo da doença é pela mensuração das concentrações séricas de cobalamina e folato. A concentração sérica de folato pode estar diminuída em pacientes com doença do intestino delgado, proximal ou difusa, grave e de longa data, mas pode estar aumentada em pacientes com disbiose do intestino delgado. Já a concentração sérica de cobalamina pode estar reduzida com doença do intestino delgado, distal ou difusa, grave e de longa data, insuficiência pancreática exócrina ou disbiose do intestino delgado.

5. Realizar testes terapêuticos (diagnóstico empírico), se não houver contraindicação

Vale mencionar que um teste terapêutico é contraindicado em pacientes que se encontram emaciados e/ou apresentam hipoalbuminemia grave ou alguma outra complicação sistêmica.

Se o paciente estiver com deficiência de cobalamina, essa vitamina deverá ser suplementada pela aplicação parenteral de vitamina B12 pura (ver protocolo em https://www.vetmed.tamu.edu/gilab/research/cobalamin-information#dosing). Os testes alimentares são eficazes em até 60% dos cães e gatos com diarreia crônica. Embora vários tipos de dieta possam ser empregados para esses pacientes (Tabela 4), atualmente existem apenas dados limitados disponíveis a respeito do uso de dietas ricas em fibras ou pobres em carboidratos. Na última década, foram apresentados muitos estudos clínicos e experimentais, sugerindo que a microbiota (o agrupamento de todos os microrganismos no trato GI) desempenhe um papel na patogênese de doença gastrintestinal crônica. Dessa forma, uma estratégia para um diagnóstico empírico em cães e gatos com diarreia crônica é a manipulação da microbiota gastrintestinal (Tabela 5). Agentes anti-inflamatórios e imunossupressores também podem ser empregados de forma empírica. Antes de se fazer uso desses agentes, no entanto, sempre é preciso se esforçar para obter um diagnóstico definitivo. Contudo, quando o proprietário rejeita essa opção, o diagnóstico empírico com algum desses agentes é uma medida razoável (Tabela 6).

6. Efetuar a avaliação histopatológica de biopsias

As amostras de biopsia para avaliação histopatológica podem ser coletadas por endoscopia (menos invasiva), laparoscopia (menos desejável) ou laparotomia exploratória (mais invasiva). Independentemente da via de coleta da biopsia, devem-se coletar múltiplas biopsias de alta qualidade de cada segmento intestinal, enviando-as para avaliação. Todavia, deve-se notar que, mesmo com o envio de biopsias de alta qualidade, existe certa variabilidade na avaliação histopatológica de amostras. Quando os achados clínicos e a avaliação histopatológica não coincidem, é recomendável entrar em contato com o patologista para discutir o laudo com mais detalhes. Também pode haver a necessidade dos exames de imuno-histoquímica e clonalidade para diferenciar linfoma intestinal de doença inflamatória intestinal idiopática.