Avaliação nutricional: quinto parâmetro vital de gatos e cães

Avaliação nutricional: quinto parâmetro vital de gatos e cães

Links rápidos:

A avaliação nutricional foi determinada como o quinto parâmetro vital de gatos e cães em 2011 pelo WSAVA (The World Small Animal Veterinary Association). Saiba mais

Em 2010 o Comitê de Nutrição Global iniciou a elaboração das diretrizes para avaliação nutricional de cães e gatos que foram publicadas em 2011. O WSAVA reconhece que a nutrição deve ser avaliada a fim de manter o máximo de saúde e desempenho do animal, integrar a terapêutica frente a uma enfermidade ou otimizar a qualidade de vida do paciente portador de uma doença crônica. Com isso, a avaliação nutricional passou a ser reconhecida como o 5o parâmetro vital, acompanhada pelos outros quatro sinais vitais no exame clínico: 1o- temperatura, 2o- pulso, 3o- respiração e 4o- avaliação da dor, todos rotineiramente analisados em cada interação com o paciente.

A fim de elucidar dúvidas importantes relacionadas à avaliação nutricional, segue um FAQ com algumas perguntas e respostas sobre esse assunto.

Como garantir a saúde nutricional adequada?

Garantir a saúde nutricional adequada é mais do que simplesmente atender a perfis nutricionais.  Outros fatores devem ser considerados, como aqueles relacionados ao animal, alimento, manejo alimentar e fatores ambientais.

Quais os fatores de risco relacionados à nutrição?

Entre os fatores relacionados à dieta, podemos citar a segurança e adequação da dieta oferecida a um determinado animal. Os problemas de saúde relacionados a fatores dietéticos são chamados de doenças causadas pela dieta (ex.: desequilíbrios nutricionais, ingestão de alimentos estragados, contaminados ou adulterados). Pacientes com estes distúrbios devem ser tratados com uma dieta sabidamente adequada ao paciente.

Quais os fatores relacionados ao animal?

A idade, o estado fisiológico e o grau de atividade do paciente são alguns dos fatores relacionados ao animal. Os problemas de saúde associados aos fatores relacionados ao animal são chamados de doenças provocadas por nutrientes (ex.: intolerâncias, alergias e doenças de orgãos específicos). A escolha dietética para estes pacientes deve se restringir a alimentos formulados para atender às limitações nutricionais específicas associadas à doença do paciente.

Quais os fatores relacionados ao manejo alimentar e ao ambiente?

Entre os fatores relacionados ao manejo estão a frequência, os horários das refeições, o local e o método de alimentação, ao passo que os fatores ambientais incluem o espaço e a qualidade do ambiente no qual o animal vive. Os problemas de saúde relacionados a estes dois fatores são chamados de doenças relacionadas à alimentação e ao ambiente (ex.: superalimentação ou subalimentação, uso excessivo de petiscos, condições precárias de higiene e de manejo alimentar, alimentação competitiva ou falta de estímulo ambiental adequado). Estas situações requerem uma comunicação eficaz com o cliente para que ele produza as mudanças comportamentais adequadas.

Na prática, como a avaliação nutricional deve ser realizada?

A avaliação nutricional é um processo de duas etapas (Figura 1).

  1. A avaliação de triagem é realizada em todos os pacientes. Com base nesta avaliação, os animais saudáveis e sem fatores de risco não necessitarão de avaliações nutricionais adicionais.
  2. A avaliação aprofundada é realizada quando, na avaliação de triagem, encontra-se ou suspeita-se de um ou mais fatores de risco relacionados à nutrição.

Figura 1. Ilustração do processo de avaliação nutricional de duas etapas.

Fonte: WSAVA, 2011.

Do que é composta a avaliação de triagem nutricional?

A avaliação nutricional faz parte do levantamento rotineiro de histórico e do exame físico de cada animal. As informações coletadas devem incluir a avaliação dos fatores específicos do animal, a dieta e o ambiente/manejo alimentar.

A Tabela 1 lista os fatores predisponentes específicos conhecidos por influenciar no estado nutricional. Quando aspectos capazes de elevar o “índice de suspeita” para doenças relacionadas à nutrição são identificados, recomenda-se uma avaliação nutricional mais elaborada.

A importância de uma avaliação nutricional aprofundada aumenta à medida que aumentam os fatores predisponentes e a sua gravidade. Além disso, se qualquer parâmetro apresentar-se de forma suficientemente preocupante, isto por si só basta para que seja feita uma avaliação aprofundada.

Caso a avaliação de triagem resulte sem alterações, então a avaliação nutricional estará completa.

Tabela 1. Avaliação nutricional: fatores de risco.

Fonte: WSAVA, 2011.

Quais os métodos utilizados para mensuração e análise do índice de condição corporal (ICC) e do índice de massa muscular (IMM)?

O ICC avalia a gordura corpórea (Figura 2 e 3). Diversos sistemas de ICC são usados para a avaliação de cães e gatos, no entanto, as diretrizes utilizaram uma escala de 9 pontos. O índice ideal para a maioria dos cães e gatos é de 4 a 5 na escala de 9.

O IMM difere do ICC porque avalia a massa muscular (Figura 4). A avaliação da massa muscular engloba o exame visual e a palpação por sobre os ossos temporais, escápulas, vértebras lombares e ossos pélvicos.

Figura 2. Escore de condição corporal para gatos.

Imagem com o escore de condição corporal do peso de gatos

Figura 3. Escore de condição corporal para cães.

Imagem com o escore de condição corporal do peso de cães

Figura 4. Sistema de índice de massa muscular (IMM). A avaliação da massa muscular inclui inspeção e palpação por sobre os ossos temporais, escápulas, costelas, vértebras lombares e ossos pélvicos.

Fonte: WSAVA, 2011.

Quais os fatores envolvidos na avaliação nutricional aprofundada? Como devo realizar essa avaliação?

Indica-se uma avaliação nutricional detalhada para explorar fatores relacionados ao animal, à dieta, à alimentação e ao ambiente em pacientes que, durante a avaliação de triagem, apresentaram predisposição para qualquer doença relacionada à nutrição (Tabela 1). Primeiro revise e resuma o histórico, os registros médicos e as informações obtidas durante a avaliação de triagem. Em segundo lugar, obtenha dados adicionais apropriados.

Fatores relacionados ao animal a serem avaliados com detalhes envolvem:

  • Mudanças na ingestão alimentar ou alterações comportamentais (p. ex.: quantidade de alimento ingerido, mastigação, deglutição, náusea, vômitos, regurgitação).
  • Condição da pele. Anormalidades relacionadas à nutrição podem estar associadas a várias combinações de pelo seco, facilmente depilável; pele seca, fina ou descamativa; e resistência reduzida à venopunção (devido à perda da densidade normal de colágeno da pele).
  • Plano diagnóstico
  • Doenças atuais e medicação em uso

Fatores relacionados à dieta:

  • Verifique a densidade calórica do alimento em uso principalmente se o animal estiver abaixo ou acima do ICC desejado ou se o tutor precisa utilizar porções excepcionalmente grandes ou pequenas para manter o ICC desejado.
  • Avalie outras fontes de nutrientes: petiscos, comida caseira, suplementos, alimento usado para a administração de medicamentos e brinquedos mastigáveis.
  • Caso haja qualquer enfermidade que possa ter sido o resultado de ingestão de alimento contaminado ou estragado, a dieta deve ser submetida a exames.
  • Avalie os alimentos comerciais.
  • Avalie os alimentos caseiros.
  • Avalie qualquer dieta não-convencional, comercial ou caseira, para desequilíbrios nutricionais.

Fatores relacionados à alimentação e ao ambiente:

  • Alimentador primário do animal.
  • Esquema alimentar (ex.: local, frequência).
  • Problemas com múltiplos animais (competição pelo alimento, ameaças).
  • Outros fornecedores e fontes de alimento.
  • Enriquecimento ambiental (ex.: brinquedos, outros animais, abrigos, dispositivos para a distribuição
  • Atividade do cão ou gato na casa.

Como fazer uma avaliação detalhada dos alimentos comerciais?

Faz parte da avaliação dos alimentos comerciais determinar:

  • Tipo específico, formulação, variedade de sabor, onde quando foi comprado, condições de armazenamento.
  • As especificações de rótulos de embalagens variam de um país para outro. No entanto, é importante estar atento ao papel do rótulo como propaganda.
  • Qual é a reputação do fabricante de alimentos para cães e gatos? Você já teve experiências positivas com seus produtos? Que informações objetivas (e não depoimentos) ele fornece sobre seus alimentos para auxiliá-lo na avaliação?
  • As demais informações contidas no rótulo geralmente têm pouco valor prático para ajudar na avaliação nutricional.
  • Entre em contato com o fabricante do alimento em caso de dúvidas ou preocupações.

Após obter todos os dados para uma avaliação nutricional, como interpretar as informações e planejar as condutas a serem adotadas?

A interpretação e o plano de ação a serem traçados após a avaliação devem considerar todos os fatores discutidos nas questões acima. Para maiores detalhes consultar: https://wsava.org/wp-content/uploads/2020/01/Global-Nutritional-Assesment-Guidelines-Portuguese.pdf

Como deve ser realizado o monitoramento dos animais saudáveis?

Adultos com boa condição corporal devem ser reavaliados regularmente. A tomada de decisões em relação à frequência específica de visitas deve ser individualizada com base na idade, espécie, raça, no estado sanitário e ambiente em que o animal vive. Animais em fase de crescimento, fêmeas prenhas e lactantes e adultos de idade avançada, mesmo quando saudáveis, requerem monitoração mais frequente.

A avaliação nutricional é um aspecto importante do tratamento médico-veterinário. Com um pouco de prática, a abordagem discorrida acima pode ser eficientemente incorporada à rotina diária da clínica sem adição de tempo ou despesas. Lembre-se que a boa nutrição aumenta a longevidade e a qualidade de vida dos animais de companhia.

 

Referências bibliográficas

Elliott J, Rawlings J, Markwell PJ, et al. “Survival of cats with naturally occurring chronic renal failure: Effect of dietary management”. J Small Anim Pract 2000; 41: 235-242.

German AJ, Holden S, Moxham GL et al, “Simple, reliable tool for owners to assess the body condition of their dog or cat”. J Nutr 2006; 136: 2031S–2033S.

Laflamme D. “Development and validation of a body condition score system for dogs”. Canine Pract 1997; 22: 10-15. 14. Laflamme D. “Development and validation of a body condition score system for cats: A clinical tool. Feline Pract 1997; 25: 13-18.

Michel KE, Anderson W, Cupp C, Laflamme D. “Correlation of a feline muscle mass score with body composition determined by DEXA”. Proceedings of the WALTHAM International Nutritional Sciences Symposium, 16 a 18 de setembro de 2010, Cambridge England: 47 (abstract).

Michel KE, Anderson W, Cupp C, Laflamme D. “Validation of a subjective muscle mass scoring system for cats”. J Anim Physiol Anim Nutr 2009; 93: 806 (abstract).

Michel KE. “Using a diet history to improve adherence to dietary recommendations”. Comp Cont Educ Vet 2009; 31: 22-26. 11. University of California Davis Nutrition Support Services Diet History Form. Disponível online em http://www.vetmed. ucdavis.edu/vmth/small_animal/nutrition/newsletters.cfm. Acessado em: 30/07/2020.

Ross RJ, Osborne CA, Kirk, et al. “Clinical evaluation of dietary modification for treatment of spontaneous chronic kidney disease in cats”. J Am Vet Med Assoc 2006; 229: 949-957.

Stenske K, Smith J, Newman S, et al. “Aflatoxicosis in dogs and dealing with suspected contaminated commercial foods”. J Am Vet Med Assoc 2006; 228: 1686-1691. (disponível online em www.avmajournals.avma.org )

Von Haehling S, Lainscak M, Springer J, Anker SD. “Cardiac cachexia: A systematic overview”. Pharm Ther 2009; 121: 227-252. 21. Evans WJ, Morley JE, Argiles J, et al. “Cachexia: A new definition”. Clin Nutr 2008; 27: 793-799.

WSAVA disponível em: https://wsava.org/global-guidelines/global-nutrition-guidelines/ acessado em 30/07/2020.