Desafios na nutrição da cadela gestante

Desafios na nutrição da cadela gestante

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Entenda as necessidades nutricionais da cadela prenhe em cada fase da gestação e quais nutrientes são importantes para a alimentação balanceada em cada etapa

A gestação e a lactação dependem de um conjunto de fatores para ocorrerem de forma harmoniosa e saudável. Cadelas em período reprodutivo apresentam exigências nutricionais diferentes dos animais em fase de manutenção. Mais do que isso, a condição corpórea e nutricional da fêmea antes e durante o período gestacional influenciará na qualidade da própria gestação, além da recuperação pós-parto e da saúde dos filhotes. Adequações dietéticas são indispensáveis para atender às altas exigências energéticas e nutricionais características deste momento tão específico na vida das cadelas.

Ciclo estral das cadelas

Em termos gerais, a cadela tem dois ciclos sexuais por ano. Contudo, sabe-se que determinadas raças apresentam cios menos frequentes (por exemplo, Retrievers), enquanto outras, cios mais frequentes (por exemplo, Pastor Alemão).

O ciclo sexual compreende vários estágios comportamentais com diferentes características hormonais, sendo eles:

Proestro

Corresponde ao início do cio. Dura cerca de 10 dias e trata-se do período em que a cadela atrai os machos, mas se recusa a cruzar ou acasalar. De uma perspectiva hormonal, este é o período de início da síntese de estrogênio. É também durante essa fase que ocorre um pico do hormônio LH, sinalizando a ovulação.

Estro

É a fase em que a cadela está no cio, atrai os machos e se mostra receptiva ao acasalamento. Essa fase, assim como o proestro, varia em termos de duração. É geralmente nesse momento que a cadela ovula, mas não de forma consistente. Nesse período, ocorre aumento da produção de estrogênio.

Diestro

Independentemente da cadela ter cruzado ou não e estar prenhe ou não após o cio, inicia-se a fase do diestro. Essa fase dura por volta de dois meses, período durante o qual a cadela recusa o macho e secreta altos níveis de progesterona pelo corpo lúteo presente nos ovários.

Anestro

É o período de repouso imediatamente posterior ao diestro. Durante esse período, são secretados pouquíssimos hormônios sexuais.

Acompanhamento da gestação

A gestação na cadela dura em média 63 dias e é dividida em dois estágios com características distintas:

Fase embrionária

Neste período o embrião começa a se desenvolver rapidamente. Durante a embriogênese, os futuros filhotes ainda são extremamente leves, pois nas primeiras cinco semanas de gestação crescem menos que 30% do seu tamanho ao nascer.

Porém é nesta fase que a maioria das estruturas é formada e todos os órgãos começam a se desenvolver. Durante a fase embrionária ocorre o fechamento do palato, por exemplo, e se isso não ocorrer neste período específico, o processo não será concluído posteriormente durante a gestação, dando origem ao que chamamos de fenda palatina.

A nutrição é ponto-chave para suprir demandas específicas que surgem neste período e que estão diretamente relacionadas ao desenvolvimento adequado dos fetos.

Fase fetal

Corresponde ao período a partir da quinta semana de gestação e é a fase de ganho de peso expressivo, pois mais de 75% do peso do filhote ao nascer é adquirido pelo feto após o 40º dia de gestação (Figura 1). Por este motivo, é crucial oferecer dieta de alta densidade energética e nutricional para suportar este crescimento acelerado, conforme veremos com mais detalhes a seguir.

Gráfico ilustra o expressivo ganho de peso dos fetos no terço final da gestação de cadelas
Figura 1: Gráfico ilustrando o expressivo ganho de peso dos fetos no terço final da gestação de cadelas. Fonte: Case et al., 2011.

Necessidades nutricionais da cadela gestante

O primeiro objetivo nutricional para a cadela no início da gestação é o de manter o peso corporal ideal. A desnutrição da fêmea pode ter sérias consequências tanto para sua saúde quanto para o desenvolvimento dos fetos.

Por outro lado, o excesso de peso precoce durante a gestação também pode ter efeito nocivo, uma vez que a presença de gordura em excesso armazenada no miométrio pode levar a contrações uterinas menos eficientes, dando origem ao aumento do risco de atonia uterina e de distocia materna, consequentemente levando ao aumento da necessidade de se realizar o procedimento de cesárea. Isso também aumenta a taxa de mortalidade neonatal ligada ao parto prolongado e ao sofrimento fetal.

A fêmea não deve ganhar mais do que 30% em relação a seu peso original durante a gestação, e um acompanhamento da evolução do peso da cadela deve ser realizado para evitar o sobrepeso nesta fase da gestação. Não se deve alimentar a cadela no esquema ad libitum durante a gestação.

As necessidades energéticas da fêmea aumentam somente a partir da 5ª semana de gestação, período a partir do qual os fetos ganham 75% do seu peso ao nascer, como já citado. Antes disso, não se recomenda o aumento do aporte calórico da dieta da cadela.

A partir do 40º dia, aproximadamente, o útero aumenta significativamente de tamanho e pode reduzir a capacidade de ingestão alimentar. Por isso, neste momento recomenda-se a mudança para uma dieta de alta densidade energética cuja distribuição calórica seja de 20% proveniente de gorduras e que forneça aproximadamente 4 kcal/g, pois desta forma é possível garantir a ingestão calórica necessária com menor volume de alimento.

Veja em detalhes a importância de cada nutriente no manejo alimentar da cadela durante o período gestacional:

Gorduras

As gorduras fornecem ácidos graxos essenciais e aumentam a absorção de vitaminas lipossolúveis, além de aumentar a densidade energética da dieta. De acordo com o National Research Council (2006), a quantidade mínima recomendada de gordura na dieta durante o terço final da gestação é de 8,5% da matéria seca (MS) do alimento. Já a Association of American Feed Control Officials (2018) determina 8% de gordura na MS como recomendado para este período reprodutivo.

Proteínas

Segundo Debraekeeler et al. (2010), a necessidade dietética de proteína para a cadela gestante é de 40% a 70% maior se comparado à necessidade de manutenção. Dietas contendo de 28 a 32% de proteína animal em sua composição são adequadas nesta fase.

Ácido Fólico (Vitamina B9)

Fenda palatina e lábio leporino são defeitos congênitos de etiologia multifatorial. Sabe-se que a deficiência de ácido fólico é um dos fatores que podem levar a este problema. Adotar uma dieta adequada com níveis apropriados de ácido fólico é fundamental para reduzir a ocorrência dessas enfermidades e pode beneficiar a saúde dos filhotes.

Um estudo conduzido por Guilloteau et al. (2006) incluindo 45 cadelas, 66 ninhadas e 311 filhotes de raças braquicefálicas revelou uma diminuição nas fendas palatinas de 8,57% (no grupo-controle: ácido fólico = 0,9 ppm) para 4,41% dentro do grupo suplementado (34,5 ppm).

Outro estudo realizado por Domoslawska et al. (2013) comparou a frequência da ocorrência da fenda palatina e do lábio leporino em cães recém-nascidos das raças Pug e Chihuahua. Após suplementação de ácido fólico para as fêmeas gestantes nos dois primeiros terços da gestação, a porcentagem de filhotes que apresentaram lábio leporino e fenda palatina diminuiu de 10,8% para 4,7% em Pugs e de 15,7% para 4,8% em Chihuahuas.

Betacaroteno

O betacaroteno e as substâncias relacionadas, como a luteína e o licopeno, derivam-se de plantas, não sendo sintetizados por via endógena pelos cães. O betacaroteno pode servir como um precursor da vitamina A no cão. Além dessa função, os carotenóides também têm propriedades antioxidantes e protegem os fetos contra a ação dos radicais livres.

O betacaroteno pode ser absorvido pelo plasma sanguíneo e pelos leucócitos após a administração oral em cães. Weng e colaboradores (2000) observaram que uma ingestão de 50 mg de betacaroteno por cadela favorece a secreção de progesterona entre o 12º e o 56º dia após a ovulação, protegendo as células contra os processos oxidativos. Além disso, foi demonstrado que o betacaroteno estimula a resposta imune em cães.

Betaglucanos

O beta-1,3/1,6-glucano interage com o sistema imunológico no tecido da mucosa intestinal, mas não é absorvido. O betaglucano prepara as células-B produtoras de anticorpos para produzir IgA que será secretada no muco. Isso explica porque a estimulação do sistema imunológico no intestino pode alterar a resistência a doenças de todo o organismo e, particularmente, formar uma barreira protetora reforçada nas superfícies corporais.

Os fagócitos e as células natural killers possuem receptores de superfície que reconhecem as moléculas de betaglucano e se ligam a elas. Esses fagócitos (leucócitos) constituem a linha de frente de defesa do organismo. A ligação da molécula de betaglucano ao fagócito deflagra a produção e a secreção de mais substâncias antimicrobianas pelos fagócitos e, ao mesmo tempo, essas células se tornam mais ativas na destruição de microrganismos invasores, células tumorais e células mortas.

O betaglucano também estimula a produção de diferentes moléculas sinalizadoras (citocinas) pelas mesmas células. Tais moléculas alteram vários processos biológicos no organismo, dentre eles, reforçam o recrutamento de leucócitos, outras ativam os leucócitos produtores de anticorpos (células-B) e outras ainda neutralizam a inflamação.

Isso explica porque o betaglucano de leveduras aumenta a resistência geral a doenças e estimula a competência imunológica, refletindo na saúde da fêmea e em sua capacidade de transferência de imunidade passiva para a ninhada.

Butirato

O butirato constitui a fonte de energia preferida dos colonócitos, uma vez que essas células oxidam o butirato a uma velocidade 4,5 vezes maior do que a glicose. Por este motivo, este ácido graxo é um importante combustível para o epitélio intestinal, além de modular, até certo ponto, a permeabilidade intestinal.

O butirato ainda parece exercer um efeito sobre as células imunológicas, além de apresentar relação muito estreita com a absorção de nutrientes, como sódio, potássio, cloro e água. Por todos esses benefícios, trata-se de um importante nutriente para a saúde digestiva de fêmeas e seus filhotes.

L-Carnitina

A dieta que contém uma fonte extra de L-carnitina comprovadamente ajuda a manter um maior índice de massa magra e a diminuir o índice de massa gorda, estratégia interessante para evitar o ganho excessivo de peso em cadelas gestantes. A L-carnitina garante o transporte de ácidos graxos na mitocôndria para a produção de energia dentro dos músculos.

Vitamina A

É importante considerar a vitamina A (frequentemente conhecida como a vitamina do epitélio ou a vitamina reprodutiva) ao se abordar as necessidades nutricionais da cadela prenha. Nestas fêmeas, devemos lembrar que o conteúdo plasmático da vitamina A é mais baixo do que na cadela não prenhe, em particular no início da gestação. Essa observação pode, sem dúvida, ser correlacionada com uma alta demanda de vitamina A em função dos anexos fetais e do embrião.

Vitamina E

Os teores plasmáticos de vitamina E na cadela prenha são menores do que nas cadelas não prenhes. Esse declínio pode ser explicado por uma elevação no estresse oxidativo na cadela prenha ou por um sequestro de vitamina E pelo feto, o que torna necessário fornecer níveis adequados deste nutriente na dieta de cadelas gestantes.

EPA & DHA e Antioxidantes

Os ácidos graxos poliinsaturados EPA e DHA devem estar presentes na fórmula do alimento desenvolvido para fêmeas gestantes para auxiliar na neutralização dos processos metabólicos relacionados ao estresse oxidativo da gestação e da lactação.

O DHA tem especial importância durante o período gestacional, pois participa do desenvolvimento neurológico e da retina dos fetos durante a fase embrionária. Animais adultos apresentam capacidade limitada de produção destes nutrientes, portanto a forma mais eficaz de prover quantidade adequada ao feto é por meio da dieta da cadela gestante.

Assista ao vídeo abaixo e saiba mais sobre nutrição da cadela gestante e exames durante a gravidez:

Nutrição da cadela no pós-parto

A maioria das cadelas volta a se alimentar voluntariamente em até 24 horas após o parto. É possível oferecer alimentos úmidos, que são bastante atrativos. Cadelas que foram adequadamente acompanhadas durante a gestação se apresentam cerca de 5 a 10% acima de seu peso de manutenção no momento do pós-parto.

Os aspectos mais importantes da nutrição de cadelas lactantes são o aporte calórico e a ingestão de água, que devem ser adequados para que haja produção de leite suficiente para os filhotes. Dependendo da cadela, a necessidade energética pode dobrar ou triplicar, se comparada à necessidade energética de manutenção (NEM). De modo geral, pode-se seguir o esquema abaixo como ponto de partida para determinar o aporte calórico da fêmea (a ser ajustado para cada cadela individualmente):

  • 1ª semana de lactação: de 1,5 a 2x a NEM
  • 2ª semana de lactação: 2x a NEM
  • 3ª a 4a semana de lactação: 2,5 a 3x a NEM

O pico da lactação ocorre entre a terceira e a quarta semana após o parto e é seguido pela introdução gradual de alimento pastoso para a ninhada. A quantidade de leite consumida pelos filhotes diminui à medida que aumenta a ingestão de alimentos sólidos. Neste momento, deve-se reduzir gradualmente a oferta de alimento para a fêmea, até que o desmame ocorra por completo e a fêmea volte ao período de manutenção. Para mais detalhes sobre a alimentação de filhotes, leia também:

As cadelas gestantes, lactantes e seus filhotes devem consumir alimentos com perfil nutricional adequado para suportar as altas demandas nutricionais deste período. O objetivo do manejo nutricional nesta fase é o de contribuir para a manutenção do peso da fêmea, atender às exigências da gestação e lactação, além de promover segurança digestiva e boa imunidade à ninhada.

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Referências bibliográficas

Association of American Feed Control Officials, 2018.

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