Doenças renais hereditárias e congênitas felinas

Doenças renais hereditárias e congênitas felinas

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Introdução

As doenças congênitas são enfermidades estruturais ou funcionais que estão presentes desde o nascimento, embora em muitos casos elas só se manifestem clinicamente durante os primeiros anos de vida do animal. As etiologias variam, podendo incluir uma série de fatores externos que acometem o desenvolvimento embrionário ou fetal (in útero) ou ser o resultado de alterações genéticas aleatórias ou hereditárias.

Algumas doenças congênitas também podem ser hereditárias. As enfermidades hereditárias são aquelas transmitidas dos progenitores para a sua descendência por meio de diversos tipos de padrões de herança como resultado de mutações na sequência do DNA que determinam modificações da estrutura proteica e, com isso, acometem a funcionalidade biológica1, 2. São poucas as doenças hereditárias nas quais se conhecem o padrão de herança e as mutações específicas subjacentes de forma definitiva e conclusiva. Os distúrbios renais congênitos são relativamente incomuns em gatos, com exceção da doença renal policística, para a qual felizmente existem testes diagnósticos disponíveis para a sua identificação precoce3.

Doença renal policística

A doença renal policística, também denominada doença renal policística autossômica dominante, é a renopatia hereditária mais comum na espécie felina4. É observada principalmente em gatos da raça Persa e em todas as raças em que se incluiu uma linhagem Persa para a aquisição de determinada característica em programas reprodutivos, embora a doença renal policística também possa ser vista de forma esporádica em outras raças5,6. Policística é uma glicoproteína de membrana, localizada nas células do epitélio ciliar que reveste os túbulos renais, responsável pelo controle da proliferação celular e manutenção das células tubulares em um estado de diferenciação. Se os níveis de policística declinarem abaixo de um ponto crítico, ocorrerá o desenvolvimento de alterações celulares; essas alterações incluem a incapacidade de manter a polaridade celular, o aumento na taxa de proliferação e apoptose, a expressão de um fenótipo secretor e a remodelagem da matriz extracelular, provocando assim o aparecimento dos cistos macroscópicos7.

O desenvolvimento de cistos nos rins começa no embrião e continua ao longo da vida de um indivíduo. Tal como acontece com os seres humanos, é possível que ocorram diferentes estágios de cistogênese: um estágio inicial (dependente da mutação) e outro de crescimento (independente da mutação). Sugeriu-se que fatores genéticos e modificadores do ambiente possam ser responsáveis pela variabilidade individual observada no que diz respeito à gravidade da condição8.

Amiloidose

A amiloidose caracteriza-se por depósito extracelular patológico de material proteináceo, formado pela polimerização de subunidades proteicas em uma conformação específica conhecida como folhas beta-pregueadas. A amiloidose reativa é a forma mais comum em animais domésticos, em que ocorre o depósito de proteína sérica de fase aguda (amiloide A) nos tecidos em resposta à presença de doenças inflamatórias ou neoplasias crônicas. A predisposição familiar pode ser considerada no quadro clínico do felino.
Embora a amiloidose seja rara nos gatos, a maioria dos casos envolve as raças Abissínio, Oriental e Siamês.

Outras doenças genéticas

Em suma, os distúrbios renais felinos congênitos, com exceção da doença renal policística, são raros, mas uma breve alusão a outras alterações incomuns é válida para concluir o assunto.

A displasia renal, em que ocorre o desenvolvimento desordenado do parênquima renal em virtude de uma diferenciação anormal, pode levar à insuficiência renal de início precoce. Ao nascimento, os rins contêm estruturas imaturas que consistem em tecidos indiferenciados (como glomérulos, túbulos fetais, tecido mesenquimatoso e possível tecido metaplásico cartilaginoso). Tais estruturas concluem o seu desenvolvimento normal nos dois primeiros meses de vida. Em indivíduos acometidos, no entanto, esses tecidos indiferenciados continuam presentes ao longo da vida e, assim, os animais afetados desenvolvem insuficiência renal, geralmente antes dos dois anos de idade. As razões por trás dessa nefrogênese anormal não estão totalmente definidas. Tal anormalidade pode ser atribuída a danos sofridos durante o desenvolvimento fetal ou no período neonatal, mas a infecção pelo vírus da panleucopenia foi sugerida como uma causa em potencial2. Foi descrito um caso isolado de displasia renal em um gato (particularmente, um da raça Bosque da Noruega) de 5 meses de vida com poliúria, anorexia e alterações laboratoriais indicativas de doença renal crônica9. O diagnóstico definitivo de displasia renal só pode ser obtido ao exame histológico com a presença de, pelo menos, três dos critérios a seguir: diferenciação assincrônica de néfrons, persistência de ductos metanéfricos, existência de tecido mesenquimatoso, desenvolvimento de epitélio tubular atípico, e/ou ocorrência de metaplasia disontogênica10. As alterações podem acometer todo o rim ou simplesmente uma parte dele, o que faz com que alguns animais não manifestem sinais clínicos. Ainda que possam permanecer normais ao exame macroscópico, os rins acometidos são geralmente menores do que os habituais e têm estruturas císticas distribuídas de forma segmentar ou difusa por todo o córtex9.

Em uma família de gatos abissínios, foi descrita uma possível nefrite glomerular hereditária. Todos os companheiros de ninhada (de ambos os sexos) desenvolveram níveis variáveis de hematúria e proteinúria entre 5-36 meses de vida11. Apenas um único paciente apresentou alterações laboratoriais indicativas de insuficiência renal no momento da apresentação e seis dos oito animais acometidos desenvolveram síndrome nefrótica com edema periférico.

Embora os estudos genéticos não tenham sido realizados, a análise do pedigree sugere uma herança autossômica recessiva. Ao exame histológico, foram detectadas alterações compatíveis com glomerulopatia proliferativa focal. Não obstante, há necessidade de investigações mais aprofundadas (p. ex., estudos imuno-histoquímicos e ultraestruturais) para a melhor categorização desse distúrbio.

 

Referências Bibliográficas

1. Lees GE. Congenital renal diseases. Vet Clin North Am Small Anim Pract 1996;26:1379-1399.

2. Greco DS. Congenital and inherited renal disease of small animals. Vet Gin North Am Small Anim Pract 2001;31(2):393-399.

3. Lyons LA, Biller DS, Erdman CA, et al. Feline polycystic kidney disease mutation identified in PKD1.J Am Soc Nephrol 2004;15(10):2548-2555.

4. Eaton KA, Biller DS, DiBartola SP, et al. Autosomal dominant polycystic kidney disease in Persian and Persian-cross cats. Vet Pathol 1997;34(2):117-126.

5. Volta A, Manfredi S, Gnudi G, et al. Polycystic kidney disease in a Chartreux cat. J Feline Med Surg 2010;12(2):138-140.

6. Lee YJ, Chen HY, Hsu WL, et al. Diagnosis of feline polycystic kidney disease by a combination of ultrasonographic examination and PKD1 gene analysis. Vet Rec 2010;167(16):614-618.

7. Irazabal MV and Torres, VE. Poliquístosis renal autosómica dominante. Nefrologia Sup Ext 2011;2(1):38-51.

8. Lyons L Feline polycystic kidney disease. VIN Rounds 4/9/06. URL: https://www.vin.com/doc/?id=2984582.

9. Norwegian Forest Cat. J Feline Med Surg 2009;11:326-329.

10. Chandler ML, Elwood C, Murphy KF, et al. Juvenile nephropathy in 37 boxer dogs. J Small Anim Pract 2007;48:690-694.

11. White JD, Norris JM, Bosward KL, et al. Persistent haematuria and proteinuria due to glomerular disease in related Abyssinian cats. J Feline Med Surg 2008;10:219-229.