Lesão renal aguda em cães: qual o papel da nutrição?

Lesão renal aguda em cães: qual o papel da nutrição?

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A nutrição é um pilar chave no manejo das afecções renais nos cães; saiba quando e como ajustar a dieta para o seu paciente

Os rins desempenham funções vitais no organismo, sendo responsáveis por regulação da pressão arterial, funções endócrinas, desintoxicação do organismo, entre outras importantes ações.

Graves doenças podem afetar a função renal do animal, como a lesão renal aguda. Essa doença já foi chamada de insuficiência renal aguda, mas esse termo está caindo em desuso. Atualmente, o termo insuficiência renal se refere ao último estágio da doença renal e já não é mais usado para definir os casos agudos.

A lesão renal aguda (LRA) acomete gatos e cães, podendo ser definida como uma afecção grave e, frequentemente, fatal, que causa a perda da função renal de forma repentina. A lesão renal em cães na sua forma aguda se desenvolve de maneira silenciosa e súbita e pode ocorrer por diversos motivos ou mecanismos, causando um acúmulo de substâncias nitrogenadas, como a uréia e a creatinina (PALUMBO et al, 2011).

Veja a seguir as principais causas da lesão renal aguda em cães, as formas de tratamentos e as recomendações aos tutores!

O que é lesão renal aguda (antes chamada de insuficiência renal aguda) e como ela acomete os cães?

Para compreender a forma aguda de lesão nos rins é necessário entender a diferença entre a DRC e a lesão renal aguda.

Doença renal crônica

A doença renal crônica (DRC) é uma afecção comum em cães e acomete cerca de 10% dos cães ao longo da vida. Mas, o termo DRC não deve ser confundido com a lesão renal aguda. Temos aqui doenças distintas e que devem ter diagnóstico diferencial para um tratamento assertivo.

A DRC é progressiva. Os mecanismos compensatórios perdem a capacidade de manter o funcionamento adequado dos rins do animal acometido. Em algum momento do curso da doença renal crônica, o paciente pode entrar em estado de agudização.

Lesão Renal Aguda

A lesão renal aguda, embora tenha alta taxa de mortalidade, pode ter um prognóstico favorável quando o tratamento é bem-sucedido. Porém, existe um risco maior desse indivíduo desenvolver uma DRC secundária, já que os rins sofreram danos e, consequentemente, houve a lesão de uma quantidade maior de néfrons.

A lesão renal aguda pode ser compreendida como uma síndrome clínica que gera a redução súbita da filtração glomerular com obstrução celular nos túbulos renais, havendo posteriormente um acúmulo de toxinas metabólicas, além da perda da regulação do equilíbrio eletrolítico, hídrico e ácido-básico (MENESES et al, 2021). A doença pode resultar em nefrose e, de forma menos frequente, em nefrite (PALUMBO et al, 2011).

Os sinais clínicos são inespecíficos, mas geralmente incluem depressão, letargia, anorexia, diarreia, vômito, desidratação e sinais neurológicos. Também pode ocorrer o hálito urêmico ou formação de úlceras orais (PALUMBO et al, 2011).

Dentre as causas de lesão renal aguda está a exposição a nefrotoxinas, que pode ocorrer pelo contato do animal com anestésicos, agentes quimioterápicos, metais pesados (cádmio, cromo, chumbo, mercúrio), agentes diversos (peçonha de serpentes, fármacos nefrotóxicos, entre outros), compostos orgânicos (tetracloreto de carbono, clorofórmio, etileno glicol, herbicidas, pesticidas e solventes), pigmentos (hemoglobina e mioglobina), agentes de contraste radiográfico, hipercalcemia e certos agentes terapêuticos, como por exemplo, analgésicos, anti-helmínticos, antifúngicos e antimicrobianos (PALUMBO et al, 2011).

Além disso, há outras causas para o surgimento da LRA, incluindo (PALUMBO et al, 2011):

  • choque grave;
  • hemorragia intensa;
  • hipotensão;
  • desidratação;
  • hipovolemia;
  • traumatismo;
  • coagulação intravascular disseminada (cid);
  • trombose ou formação de microtrombos em vaso sanguíneo renal;
  • reações transfusionais;
  • pancreatite;
  • sepse;
  • hipertermia;
  • hipotermia;
  • queimaduras graves.

Diagnosticando a lesão renal aguda nos cães

A confirmação do diagnóstico ocorre quando há a persistência de azotemia com isostenúria ou urina minimamente concentrada de forma concomitante (PALUMBO et al, 2011). Além disso, outras alterações são vistas na lesão renal aguda, como:

  • arquitetura e tamanho renal sem grandes alterações na ultrassonografia;
  • escore de condição corporal geralmente normal, com exceção de casos com doenças concomitantes;
  • mucosas geralmente normocoradas;
  • fósforo elevado;
  • cálcio normal ou levemente baixo;
  • ausência de anemia, com exceção de casos de doenças concomitantes;
  • queixa na anamnese de evolução aguda do quadro.

O tratamento deve ser precoce. Ele visa a eliminação das causas da lesão renal aguda e o tratamento de suporte, como a fluidoterapia e a hemodiálise, quando recomendado, e também o manejo nutricional, para minimizar as consequências da uremia aguda (PALUMBO et al, 2011).

Conheça as recomendações da IRIS para lesão renal em cães (em inglês).

Pontos-chave da nutrição em casos de lesão renal em cães

O manejo nutricional de pacientes com lesão renal aguda visa:

  • garantir ingestão adequada de nutrientes;
  • minimizar efeitos negativos da uremia;
  • manter peso ideal e evitar desnutrição calórico-proteica;
  • evitar desbalanços hidro-eletrolítico e ácido-básico;
  • minimizar os sinais clínicos;
  • regredir a doença.

Os pacientes com lesão renal aguda podem se tornar doentes renais crônicos e, consequentemente, muitos deles terão de ter sua dieta adaptada de acordo com o caso.

Confira alguns dos principais pontos-chaves na dieta dos pacientes com lesão renal aguda.

1. Alimentos com alta palatabilidade

Cães com lesão renal aguda (e também doença renal crônica, à depender do grau) podem apresentar apetite seletivo, náuseas e aversão alimentar. Alimentos com variações de texturas e perfis aromáticos estimulam o apetite e as preferências sensoriais dos cães, favorecendo a ingestão voluntária do alimento.

2. Altos índices de energia

A ingestão energética ideal deve ser garantida para prevenir o catabolismo muscular. A gordura exerce papel importante na distribuição calórica do alimento, pois lipídeos fornecem o dobro de energia por grama, se comparado aos demais macroelementos energéticos da dieta (proteínas e carboidratos). Além disso, é importante lembrar que animais debilitados demandam de mais energia para manter a homeostase do organismo, sendo a alimentação um fator muito importante para a evolução positiva do caso.

3. Equilíbrio hídrico

O equilíbrio hídrico é comprometido em cães com lesão renal aguda e DRC, portanto o fornecimento de alimento úmido de forma isolada ou associado ao alimento seco (mix feeding) é desejado, pois estimula o apetite e favorece a manutenção da hidratação. Além disso, o fornecimento de água fresca e em quantidade satisfatória deve ser levado a sério.

Principais diferenças na dieta do cão com lesão renal aguda x DRC

De acordo com a IRIS, o manejo nutricional dos cães com doença renal crônica deve ser ajustado conforme o estágio da doença e as condições de saúde do paciente. Nos estágios em que há a recomendação para fornecimento de dieta renal ao pet, os alimentos específicos visam restringir os níveis de fosfato e oferecer um moderação do teor de proteínas de excelente qualidade, além da adaptação do conteúdo energético para reduzir o volume de alimento ingerido durante a refeição.

tabela de restrição de fósforo x DRC
Figura 1. Taxa de sobrevida de cães com DRC que receberam dieta com 1,1 g de fósforo a cada 1000 kcal de alimento (grupo 1) e cães que receberam dieta contendo 3,8 g de fósforo a cada 1000 kcal de alimento (grupo 2) (Brown et al., 1991).

Nesses casos, por ser uma terapia de suporte à DRC, que é crônica e progressiva, a dieta renal clínica será recorrente ao paciente até o final da sua vida e deverá ser fornecida de acordo com as orientações do Médico-Veterinário.

Já o paciente com lesão renal aguda apresenta um estado clínico geral geralmente mais agravado e normalmente encontra-se com uma maior seletividade alimentar ou até mesmo anorexia, sendo necessária, em alguns casos, alimentação via sonda esofágica ou nasogástrica. A alimentação deve ser composta por alimentos de excelente qualidade e alto teor de umidade. O uso de quelantes de fósforo, como o Hidróxido de Alumínio, pode ser recomendado junto à alimentação pelo Médico-Veterinário que conduz o caso (CRIVELLENTI e BORIN-CRIVELLENTI; 2015).

A mudança repentina na dieta dos animais em quadro de lesão renal aguda também pode prejudicar ainda mais a alimentação voluntária. Durante o período de hospitalização, o Médico-Veterinário deve tentar manter a alimentação habitual do paciente ou sem grandes mudanças. Caso o animal saia do período de agudização e desenvolva uma DRC, posteriormente poderá ser recomendada uma dieta adequada de acordo com o estadiamento da doença.

Além disso, embora a desidratação do paciente em quadro agudo apresente-se de forma leve, a reposição de fluidos deve ser potencializada nesses casos, visando a desobstrução dos túbulos acometidos pela lesão aguda, além da realização de todo o tratamento necessário para o quadro.

Como prevenir a lesão renal aguda nos cães

O fornecimento de alimentos de qualidade ao pet de acordo com cada fase de desenvolvimento, idade, porte e raça, desde filhote, é primordial para o seu crescimento saudável, além de prevenir diversas doenças, pois a alimentação balanceada fornece todos os nutrientes necessários para a manutenção da saúde e bom funcionamento do organismo.

Para a lesão renal aguda em cães, há outras formas eficazes de prevenção:

  • evitar o fornecimento de qualquer tipo de alimento ou “petisco” que não tenha sido prescrito pelo Médico-Veterinário;
  • atenta-se ao uso de fármacos potencialmente nefrotóxicos (realização de avaliação renal antes do uso desses fármacos, além da repetição dos exames durante e ao final dos tratamentos, conforme recomendação do médico-veterinário);
  • realização de avaliação pré-anestésica completa antes de procedimentos cirúrgicos ou que demandem o uso de fármacos anestésicos;
  • realização de exames de rotina e consultas periódicas ao Médico-Veterinário.

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Referências bibliográficas

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