Alternativas aos corticosteroides no tratamento do prurido canino

Alternativas aos corticosteroides no tratamento do prurido canino

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O prurido é considerado a apresentação mais comum de doença de pele no cão. Ele requer um controle imediato e efetivo para evitar autotraumatismo e o desenvolvimento de lesões inflamatórias crônicas. Embora os corticosteroides sejam medicamentos excelentes para controlar inflamação e prurido, eles possuem potenciais efeitos colaterais que podem ser graves quando utilizados por um período prolongado. No curto prazo, os principais efeitos adversos são a polidipsia e a poliuria, as quais podem ser intoleráveis para os tutores. Efeitos colaterais mais graves, incluindo o desenvolvimento de hiperadrenocorticismo iatrogênico, podem surgir com o uso prolongado. Os corticosteroides são mais úteis para uso no curto prazo para obter o rápido controle de prurido agudo no ciclo comichão-coçar. Quando for necessário tratamento anti-prurítico prolongado, pode-se buscar alternativas aos corticosteroides para evitar os potenciais efeitos colaterais. Este trabalho explora as alternativas ao tratamento crônico com glicocorticoide.

Antes de considerar o uso de qualquer medicamento anti-prurítico, é importante determinar a causa do prurido do paciente (p.ex.: raspagens de pele, dieta de eliminação etc.). Muitas dermatoses pruríticas, incluindo infestações de  ectoparasitas  e  supercrescimento/infecções microbianas, exigem o uso de curto prazo de agentes antipruríticos para evitar autotraumatismo, mas, por fim, respondem a medicamentos direcionados aos agentes etiológicos envolvidos. Inversamente, dermatoses pruríticas incuráveis exigem que o clínico escolha medicamentos antipruríticos que sejam seguros e bem tolerados no longo prazo. Em cães, os três grupos mais comuns de doenças que causam prurido são a doença de pele parasitária, doenças de pele infecciosas e alergias (mais comumente dermatite atópica canina). Obviamente, existem diversas outras doenças de pele que podem causar prurido, por exemplo, o linfoma epiteliotrópico. Portanto, ao decidir o plano de tratamento para o paciente prurítico, é essencial ter um diagnóstico para selecionar o agente antiprurítico mais adequado para uso de curto prazo ou prolongado. Considerando-se que os corticosteroides tópicos ou sistêmicos serão apropriados para a maioria das doenças que requerem terapia antiprurítica de curto prazo, este trabalho se concentrará nos antipruríticos para o controle de longo prazo de dermatite atópica canina.

Alternativas aos corticosteroides

Existem diversos tratamentos disponíveis como  alternativas aos corticosteroides. Talvez  a  classificação mais fácil seja dividi-los por eficácia, e cada um deles será breve mente tratado abaixo. Vale ressaltar que as recomendações contidas nas fichas de  informação  (quando disponíveis) devem ser seguidas sempre que necessário.

Produtos com boa eficácia

A ciclosporina, um inibidor de calcineurina, está disponível em muitos países como um tratamento licenciado para dermatite atópica canina  (DAC),  tanto  na apresentação em cápsulas como líquida. O  mecanismo de ação principal da ciclosporina é inibir a ativação das células T. O efeito geral da ciclosporina é a redução  do número e da atividade das células pró-inflamatórias nos locais da inflamação. A dose inicial recomendada  é de 5 mg/kg a cada 24 horas, e, nos casos que apresentam boa resposta depois de quatro a seis semanas de tratamento, pode ser possível reduzir a quantidade de medicamento administrada. O efeito colateral mais comum são distúrbios  gastrointestinais  transitórios,  embora  outros efeitos colaterais raros tenham sido analisados. Sua eficácia é semelhante à dos corticosteroides via oral, mas seu início de ação é mais lento.

O oclacitinib é um produto agora licenciado em diversos países para uso no controle de DAC e dermatoses caninas alérgicas. Foi demonstrado que ele reduz o prurido de forma eficaz e segura, inibindo as principais rotas envolvidas na coceira e na inflamação associada à alergia. O oclacitinib inibe seletivamente as citocinas dependentes de janus quinases 1. Em particular, foi demonstrado que ela inibe fortemente a função da citosina IL-31 em cães, uma citosina importante envolvida em doença de pele alérgica e, portanto, pode reduzir significativamente o prurido. A dose inicial é de 0,4 a 0,6 mg/kg de peso corporal, administrada oralmente, a cada 12 horas por 14 dias. Diarreia, vômito e anorexia ocasionais foram observadas em um pequeno número de cães submetidos ao tratamento.

Imunoterapia alérgeno-específica: Em cães diagnosticados com DAC e nos quais a sensibilização a alérgenos ambientais foi identificada por meio de exames de plasma ou de alergia intradérmica, a Imunoterapia alérgeno-específica (IT) pode ser incluída no plano de tratamento. O mecanismo de ação da IT é desconhecido, mas foi analisado tanto na medicina humana como na veterinária.  Diversos  estudos   abertos   e não controlados sugerem que a IT é eficaz no tratamento de DAC, embora, na verdade, as taxas de sucesso variem. A maioria dos estudos não controlados relata melhoria de “boa a excelente” em aproximadamente 60% dos casos. Não há um protocolo padronizado para a administração de IT e, geralmente, o protocolo recomendado pelo fornecedor da vacina é adotado. A principal preocupação com o uso da IT é o baixo risco de anafilaxia noiníciodaterapia. Portanto, animais iniciandoa terapia IT o devem fazer sob supervisão estreita de um cirurgião veterinário. A resposta ao tratamento é lenta e geralmente avaliada ao longo de 6 a 9 meses. Portanto, o tratamento de outras áreas de patogêneses deve ocorrer enquantoa IT produzefeito.

Produtos com eficácia moderada a baixa

Anti-histamínicos orais: Diversos produtos anti-histamínicos foram utilizados para o controle de prurido canino. Até onde o autor saiba, nenhuma das soluções orais são licenciadas para uso em cães em nenhum país, e há pouco avanço no desenvolvimento de ensaios clínicos controlados de boa qualidade para comprovar a eficácia desses medicamentos. Embora alguns estudos tenham relatado melhoria de até 30%, a maioria dos ensaios mostrou eficácia de cerca de 10%. Em um estudo, a difeni- dramina e a hidroxizina foram consideradas mais eficazes que a clorfeniramina e a clemastina. Apesar da baixa eficácia, os anti-histamínicos podem ser um tratamento adjuntivo benéfico. Sugeriu-se que o uso de certos  antihistamínicos com glicocorticoides produz um efeito poupador de corticóide (steroid-sparing effect). Geralmente, os efeitos colaterais dos anti-histamínicos são muito fracos, com alguns cães demonstrando sonolência.

Ácidos graxos essenciais (AGEs):  Os  AGEs  são  necessários para garantir uma pele saudável e, embora diversos estudos tenham sido realizados sobre a eficácia dos AGEs para cães pruríticos, no geral, eles não são de   boa qualidade. Na DAC, há evidência da presença de defeitos na barreira da pele que resultam em perda de  água transepidérmica. Os AGEs pode ajudar a  corrigir  esses defeitos. Os AGEs estão disponíveis como suplementos dietéticos diretos e há também diversas dietas comerciais disponíveis com um alto teor de AGEs.  Os AGEs parecem ser bastante seguros mas, ocasionalmente, podem causar  leves  distúrbios digestivos.

O misoprostol é um análogo da prostaglandina E1. A prostaglandina E1 eleva o monofosfato cíclico de adeno- sina, o qual bloqueia a secreção das citocinas pelas células colaboradoras (TH1). Acredita-se que isso seja respon- sável pelo efeito anti-inflamatório do medicamento. Dois ensaios clínicos demonstraram que esse medicamento tem certa eficácia no controle de inflamação e prurido associados à dermatite atópica. A dose é de 2 a 7,5 µg/kg, via oral, a cada 8 a 12 horas. Vômito intermitente leve e diarreia foram relatados em alguns cães.

A pentoxifilina é um inibidor de fosfodiesterase. Seu efeito anti-inflamatório deve-se ao fato de que ela induz uma responsividade menor dos leucócitos às citocinas, menor produção de citocinas e inibição da ativação dos linfócitos das células T e B. Aparentemente, a eficácia no controle do prurido é baixa, mas esse medicamento pare- cer ser seguro no geral. Existem pouquíssimos ensaios publicados sobre o uso desse medicamento. A dose é de 10 mg/kg a cada 24 horas.

Tratamento  com  interferon recombinante:  Um  número bastante limitado de ensaios  clínicos  sugere  que o interferon-Ω recombinante felino e que o interferon-γ recombinante canino podem ser úteis no controle de inflamação e prurido associados à dermatite atópica canina. Contudo, os protocolos  de  tratamento e a segurança geral ainda estão por ser determinados.

Tratamentos tópicos

Certos tipos de tratamentos tópicos podem ser úteis no controle de cães pruríticos, incluindo os  seguintes:

O tacrolimus é um inibidor de calcineurina que é licenciado para uso humano em dermatite atópica, mas não em animais. Somente um número reduzido de ensaios clínicos foram realizados com uma pomada a 0,1% para lesões cutâneas localizadas demonstrando alta eficácia. Há um uso limitado para o tratamento de lesões generalizadas, mas, no geral, esse tratamento parecer ser seguro, exceto por lambidas induzidas pela aplicação.

Corticosteroides tópicos: Há diversas soluções diferentes amplamente disponíveis, mas a solução à base  de  aceponato  de  hidrocortisona  (HCA) merece destaque. O HCA é um glicocorticoide com estrutura diéster licenciado em alguns países para uso tópico em cães na forma de um spray a 0,0584%, que atinge alta atividade local com efeitos sistêmicos mínimos. O spray de HCA se mostrou eficaz no tratamento de DAC e, em um estudo de eficácia, teve desempenho comparável ao da ciclosporina. O spray parece ser seguro, sem relatos de supressão adrenocortical nos estudos. O HCA pode ser utilizado uma vez por dia, por sete dias, para o controle de crises agudas de DAC e há evidências que sugerem que um único tratamento diário em dois dias consecutivos por semana reduz a frequência das crises da doença. Esse uso intermitente parece evitar o problema do afinamento da pele.

Os suplementos lipídicos para a pele estão disponíveis como produtos de uso tópico em diversos países. Os pro- dutos possuem constituintes variáveis e podem conter substâncias como ácidos graxos e óleos essenciais, ou serem compostos por ceramidas, colesterol e ácidos graxos. Na DAC, esses produtos podem ser úteis para melho – rar a função da barreira da pele e, com isso, ajudam indi- retamente a reduzir o prurido.

Xampus e emolientes: Em cães com tendência a pioderma e/ou dermatite por Malassezia, o uso regular de xampus antimicrobianos para combater essas infecções ajudará a controlar o prurido. Inicialmente, o xampu pode ser aplicado de 2 a 3 vezes por semana (dependendo da gravidade da doença) e, depois disso, a frequência pode ser reduzida para um intervalo entre aplicações que seja benéfico. Os xampus antipruríticos geralmente são aqueles com propriedades emolientes. Eles ajudam a aliviar o prurido e são tratamentos adjuvantes úteis para uso conjunto com agentes antipruríticos mais direcionados. Também existem sprays emolientes   que podem ser úteis como parte do plano de tratamento para controlar prurido, principalmente em cães com pele seca e escamosa.

Conclusões

O paciente prurítico deve ser submetido a investigações para determinar um diagnóstico, de modo a selecionar os medicamentos mais apropriados para o controle do prurido. Uma das principais causas do prurido crônico é a doença de pele alérgica e, em particular, a dermatite atópica. A pele canina inflamada ou danificada apresenta forte tendência à infecção secundária por Staphylococcus pseudintermedius e/ ou Malassezia pachydermatis, e essas duas infecções contribuirão com o nível de prurido em um paciente indivi- dual. Portanto, a identificação e o tratamento dessas infecções permitirá um melhor controle geral do prurido. O controle de longo prazo do paciente cronicamente prurítico provavelmente exigirá o desenvolvimento de um tratamento multimodal, além de um plano de controle que seja ideal tanto para o paciente como para o tutor. Ademais, deve-se considerar um protocolo para evitar o uso crônico de corticosteroide, sempre que possível.

Embora os corticosteroides sistêmicos sejam bastante eficazes nocontrole doprurido e sejam úteis paraocontrole no curto prazo da dermatose prurítica, bem como para o tratamento de crises de prurido dos pacientes que sofrem de doenças pruríticas crônicas, para alguns animais (p.ex.: aqueles com diabetes mellitus ou hiperadrenocorticismo), os corticoesteroides sistêmicos são contraindicados. Além disso, alguns pacientes não tolerarão o tratamento com corticosteroide, mesmo em baixas doses. Em todos os pacientes com dermatose pruriginosa, os corticosteroides têm o potencial de produzir efeitos colaterais indesejados significativos se utilizados por períodos prolongados. Existem inúmeros tratamentos sem corticóides para controlar prurido, principalmente quando associado à dermatite atópica. Foi demonstrado que a ciclosporina, o oclacitinib e a IT têm boa eficácia no controle de prurido associado à DAC. Outros tratamentos menos eficazes, como anti-histamínicos e ácidos graxos essenciais, podem ser úteis como tratamentos adjuvantes no controle geral do paciente cronicamente prurítico e, quando utilizados em conjunto com corticosteroides, também podem produzir um efeito poupador de corticóide (steroid-sparing effect), diminuindo a dose total de corticosteroide necessária para o controle do prurido.

 

Referência bibliográfica:

Artigo escrito pelo Drº Neil McEwan e Drª Laura Buckley. Leia o artigo completo aqui