Prurido perianal em cães

Prurido perianal em cães

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O prurido perianal, ou pruritus ani, recentemente foi definido como “coceira na região em torno do ânus, estendendo-se desde a base ventral da cauda até (mas excluindo) a genitália“. Os cães tentam aliviar seu desconforto “se esfregando” no chão e/ou lambendo ou mordendo a   área. Embora este seja um problema comum na prática clínica, pouco foi conquistado em termos de pesquisa. Na verdade, somente um estudo publicado até hoje considera especificamente o prurido perianal canino, e observa que 37% dos cães que se consultaram com um especialista dermatologista tinham esse sinal clínico. O objetivo desta revisão é abordar as etiologias da doença, discutir as baterias de exames de diagnóstico e revisar os tratamentos médicos existentes.

 

Etiologia

O  prurido perianal não é encontrado em cães saudáveis e pode ser o resultado de diversas causas diferentes. Estas podem ser amplamente divididas entre problemas não dermatológicos e dermatológicos, cada um deles sendo discutido brevemente abaixo.

 

Principais Sintomas do Prurido Perianal
  • O prurido perianal pode ser definido como uma coceira na região em torno do ânus, estendendo-se desde a base ventral da cauda até (mas excluindo) a genitália.
  • As apresentações típicas de prurido perianal são a esfregação, lambedura ou mastigação da região
  • anal/perianal e/ou sob a cauda. Sinais secundários são comuns e podem incluir eritema, escoriações, alopecia,  hiperpigmentação  e liquenificação.
  • Existem diversas etiologias do prurido perianal, incluindo doenças inflamatórias (principalmente alérgica), parasitárias, infecciosas e neoplásicas. Um diagnóstico requer uma abordagem metódica, já que a identificação bem-sucedida e o tratamento da causa subjacente é essencial para se obter uma cura.

 

Causas não dermatológicas

Parasitas intestinais

Os parasitas intestinais de cães têm uma distribuição mundial, embora a prevalência varie geograficamente de 12,5 a 34,4%. Embora os filhotes passem regularmente por vermifugação, a prática é menos comum em adultos. Os parasitas intestinais mais comuns são as nematoides, ancilóstomos, tricuros e cestoides. Destes, somente os tricuros e os cestoides foram associados a prurido anal.

O Trichuris vulpis é um tricuro comumente encontrado em cães. O ciclo de vida é direto, com a transmissão sendo  via ingestão de ovos, seguida por migração larval para o ceco e cólon, onde eles penetram na mucosa e ficam maduros. Os ovos são postos no lúmen do intestino e liberados para o ambiente por meio das fezes. Os sinais clínicos depen- dem do grau de infestação, da presença de outras doenças e da condição nutricional do cão. Embora a diarreia crônica seja o sinal clínico mais importante, alguns cães se esfre- gam ou lambem a região perianal .

O Dipylidium caninum é uma tênia solitária distribuída por todo o mundo. Ela tem um ciclo de vida indireto, com pul- gas como hospedeiro intermediário. O cão é o hospedeiro definitivo e é infectado pela ingestão da pulga adulta con- tendo o cisticercóide. Esses vermes residem no intestino delgado e produzem proglótides, que contêm ovos. As proglótides grávidas podem passar intactas por meio das fezes ou sair do hospedeiro espontaneamente, surgindo do ânus e rastejando para a pele perianal. Essa migração pode causar prurido. O ciclo de vida é continuado pela ingestão dos ovos por uma pulga.

 

Doença do saco anal

Os sacos anais são divertículos cutâneos do ânus, revestidos por epitélio queratinizado estratificado escamoso. As glândulas apócrinas do saco anal secretam uma mistura de materiais gordurosos e serosos e resíduos celulares. A secreção pode variar em tamanho, cor e consistência (1,5). O prurido perianal pode ser associado com doença do saco anal (ASD). Os cães se esfregam, lambem e mordem a região perianal para aliviar o desconforto causado pela distensão dos sacos anais e/ou a irritação secundária à inflamação ou infecção.

 

Doenças perianais

Furunculose perianal: Também conhecida como fístula perianal, trata-se de uma doença crônica, debilitante, dolorosa e progressiva que afeta o ânus, os tecidos perir retais e a pele perianal, caracterizada por inflamação, ulceração e formação de trato sinusal (Figura 2). A etiologia da doença permanece desconhecida, mas um processo imunomediado foi sugerido, embora uma vez que como a doença afeta principalmente cães da raça Pastor Alemão, pode haver uma predisposição genética. Os cães afetados podem demonstrar significativo desconforto anal,   manifestado como dor, tenesmo    e lambedura. A descarga hemopurulenta pode vazar da fístula. Embora a furunculose não seja, em geral, considerada uma doença prurítica primariamente, nas fases iniciais, às vezes, a esfregação pode ser o único sinal apresentado.

 

Neoplasia: As glândulas hepatóides, também chamadas de glândulas circumanais ou perianais, são glândulas sebáceas modificadas presentes na região anal. O ade noma da glândula hepatóide é um neoplasma comum, responsável por 8 a 10% dos tumores de pele caninos (13). Isso é especialmente comum em cães machos idosos inteiros e, embora a etiologia seja desconhecida, a testosterona pode estar envolvida no desenvolvimento da doença.

 

Outras causas não dermatológicas

Outras doenças menos frequentes foram associadas a prurido perianal, incluindo doenças retais, doenças gastrointestinais (p.ex.: colite), fatores psicológicos e metabólicos e reações a medicamentos (incluindo diarreia relacionada a medicamentos).

 

Causas  dermatológicas

Alergias

Um estudo recente investigou a associação entre prurido perianal e doenças de pele em cães sem gastroenterite, doenças anais/perianais ou retais. 92 de 250  (37%) cães     que     se     consultaram     com    um    especialista dermatologista tinham prurido perianal, e foi descoberto que este é mais frequente em casos com dermatite atópica (52% dos cães afetados) e/ou com reações adversas a alimentos (51% dos cães afetados) do que em todas as outras doenças de pele, alinhado com achados de estudo anterior (16). A hipersensibilidade à picada de pulga também foi associada a prurido perianal, com uma prevalência na faixa de 9 a 67% (1,17).

 

Sinais característicos e histórico

Araça, a idade e o sexo podem dar pistas importantes parao diagnóstico. Algumas doenças têm uma predisposição de raça, como a furunculose perianal na raça Pastor Alemão, ou dermatite alérgica no West Highland White Terrier e no Labrador Retriever. O surgimento de sinais clínicos em uma idade precoce (< 1 ano de idade) sugere a existência de parasitose ou alergia a alimentos. O carcinoma do saco anal pode ser mais diagnosticado com mais frequência em fêmeas, e tumores na glândula hepatóide são mais frequentes emcães machosinteiros.

É importante coletar informações sobre a apresentação clínica do prurido. Prurido recorrente nos meses mais quentes pode sugerir a existência de atopia sazonal ou hipersensibilidade à picada de pulga. Se a coceira melhorar depois que os sacos anais forem apertados, a causa mais provável é impactação do saco anal. Se outras áreas do corpo apresentarem coceira, como as patas, virilha, axilas ou orelhas, a causa pode ser atopia ou alergia a alimentos. Se o prurido estiver localizadoprincipalmente nodorsoe nabase da cauda, pulgas e/ou hipersensibilidade à picada de pulga podem ser o diagnóstico mais provável. Os clínicos também devem avaliar precisamente o comportamento do cão: especulou-se que lamber ou morder a região anal mas sem esfregar-se no chão pode ser mais indicativo de doença alérgica do que de  ASD.

Estabeleça se há anomalias gastroenteríticas concomitantes. Se o cão tiver um histórico de movimentos intestinais excessivos isolados ou com flatulência crônica,    e se houver a presença de sinais como vômito, diarreia, constipação, tenesmo e/ou disquezia, então problemas gastrointestinais, tais como colite, parasitas intestinais, reações adversas a alimentos e doenças intestinais (IBD) devem ser consideradas. Para realçar distúrbios concorrentes relacionados a alimentos, tais como reações adversas a alimentos, colite e IBD, o histórico  também  deve considerar a dieta atual e quaisquer modificações anteriores. Em humanos, a derma tite de contato (com sabão, papel toalha ou cremes) é uma causa comum de prurido perianal. Isso é menos frequente em cães, mas sempre é válido perguntar se produtos tópicos, como lenços umedecidos, foram utilizados. A administração anterior de medicamentos, incluindo produtos antifarmacológico deve ser  detalhado.

 

Exames auxiliares

A citologia é útil para diagnosticar infecção ou neoplasia. Na pele perianal, a presença de dermatite por Malassezia ou pioderma pode ser melhor avaliada através de impressões em fitas, coradas e examinadas sob microscópios de luz. Uma pequena quantidadede secreção dosaco anal de cada lado deve ser colocada em uma lâmina de vidro, aguardando até ela secar e depois corada: a presença de neutrófilos pode indicar uma infecção do saco anal ou um pioderma.

 

É indicada citologia para investigar nódulos e nódulos linfáticos palpáveis. A presença de neutrófilos degenerados junto com bactérias fagocitadas sugere infecção, p.ex.: um abscesso no saco anal, ao passo que é possível suspeitar de neoplasia quando a citologia mostrar uma população monomórfica de células não inflamatórias.

 

É indicada biópsia quando o exame citológico sugerir neo- plasia ou doença imunomediada, ou quando as lesões não responderem a uma terapia aparentemente apropriada. Exame de fezes e antiparasitário de amplo espectro serão úteis no diagnóstico de parasitas intestinais. Amostras de sangue serão úteis em alguns casos, p.ex.: a hipercalcemia pode indicar carcinoma no saco anal.

 

Um rígido controle de pulgas pode ajudar  a  identificar uma alergia à picada de pulga, ao passo que uma dieta de eliminação de alimentos de 8 semanas pode ajudar a diagnosticar alergia a alimentos. As dietas de eliminação de alimentos podem ser feitas com alimentos caseiros ou die- tas com limitação de antígenos com ingredientes  novos para o cão, ou com uma dieta hidrolisada. Se todos os tes- tes anteriores se mostrarem negativos, então o mais prová- vel é que o cão tenha dermatite atópica. Um tratamento sintomático, não sedativo para prurido (p.ex.: oclacitinib) pode ser adotada para diferenciar dermatite atópica de distúrbios  comportamentais.

 

Terapia

O melhor tratamento para furunculose perianal é com antibióticos orais, ciclosporina (5 a 10 mg/kg q12-48H (18)) e/ou tópicos, tacrolimus 0,1% (19) administrado por 4 a 8 semanas depois da resolução. A administração de cetoconazol (2 a 10 mg/kg q12-24H) melhora a eficácia da ciclosporina e pode reduzir sua dose (e, possivelmente, seu custo) em até 50% (20). Recidivas e resoluções incompletas são frequentemente observados, e uma terapia de manu- tenção permanente em dias alternados pode ser necessá- rio em alguns casos.

 

A hipersensibilidade à infestação de pulgas e picada de pulgas requer um programa rígido de controle de pulgas. A alergia a alimentos é melhor controlada evitando ali – mentos ofensivos específicos, preferencialmente por meio de uma dieta comercial completa, bem balanceada, com limitação de antígenos ou com proteína hidrolisada. Os fatores causadores de dermatite de contato ou alergia podem ser identificados por teste epicutêneo e evitando os fatores, se possível. Cães atópicos podem ser controla- dos com imunoterapia específica para alérgenos ou com tratamentos sintomáticos contra prurido.

 

Conclusão

O prurido perianal é uma reclamação comumente relatada por donos de cães e uma condição desconfortável para o animal. Embora haja muitas etiologias diferentes, ele  é mais frequentemente associado à doença do saco anal ou dermatite alérgica. Contudo, o clínico deve sempre realizar uma abordagem diagnóstica sistemática para identificar e, quando possível, eliminar a  causa.

 

Artigo desenvolvido pela Drª Elisa Maina e Drª Chiara Nori. Leia o material completo aqui